"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 27 de maio de 2009

E PRA BEBER?

NO INTERVALO, TALVEZ ALGUÉM SUSSURRE NO SEU OUVIDO: "Na verdade, só existe a direção que tomamos. O que poderia ter sido já não conta. Ninguém aceita essa moeda; nem eu." (Mario Benedetti)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

FIRMINO ROCHA, EM BRONZE

DERAM UM FUZIL AO MENINO

Adeus luares de Maio.
Adeus tranças de Maria.
Nunca mais a inocência,
nunca mais a alegria,
nunca mais a grande música
no coração do menino.
Agora é o tambor da morte
rufando nos campos negros.
Agora são os pés violentos
ferindo a terra bendita.
A cantiga, onde ficou a cantiga?
No caderno de números,
o verso ficou sozinho.
Adeus ribeirinhos dourados.
Adeus estrelas tangíveis.
Adeus tudo que é de Deus.
DERAM UM FUZIL AO MENINO.

FIRMINO ROCHA (1910-1971). Poeta do Sul da Bahia. Vestido de terno preto e gravata, e sem jamais abrir mão da cachaça, era um assíduo das noites de Ilhéus e Itabuna, recitando seus versos com vozeirão rouco e, especialmente, o poema acima, que está gravado em placa de bronze, na sede da ONU, em Nova Iorque. Agradeço a Valdomiro Santana o conhecimento deste poema. Ilustração: Pixotes, de Arno.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

NÃO PERCAM!

Endereço da Academia de Letras da Bahia: Av. Joana Angêlica, 198, Palacete Góes Calmon, Nazaré, Salvador, BA. Aberto ao público.

domingo, 17 de maio de 2009

VÁ E VEJA, 2

O cineasta Andrzej Wajda, nascido polonês em 1926, já poderia ter encerrado a carreira há muito tempo, talvez em 1958, quando lançou Cinzas e diamantes, o terceiro filme de sua Trilogia da Guerra, que teve início em 1954, com Geração, e prosseguiu em 1957, com o insólito e irônico Kanal. Esses três filmes já bastariam para colocá-lo entre os maiores realizadores de cinema do século XX. Mas Wajda não parou e não parou mesmo: seu Katyn (2007) é a prova de que ele continua propenso a fazer da Segunda Guerra Mundial o centro da crueldade e da imoralidade humanas. A trama do filme é simples: em 1939, enquanto os alemães invadem a Polônia por um lado, a URSS invade por outro. Na cena inicial, numa ponte, os poloneses fogem dos alemães para o abraço nada cálido dos soviéticos, que os esperam com cinismo, balas e baionetas. Assim, até 1945, os poloneses-não-judeus (pois os judeus foram enviados aos campos de concentração) vão conviver com o horror praticado por duas nações, cujos governos se dizem fadados a viver um milênio (o Nazismo) ou para sempre (o Comunismo). A estrutura do filme quase nos obriga a esquecer a Guerra: não há invasões, escaramuças, bombardeios, retaliações, nada. Apenas o cotidiano terrível e cruel, em meio a soviéticos-comunistas e alemães-nazistas, que são, sem qualquer exagero, espelho e imagem uns dos outros, a ponto de se atribuir a estes um massacre cometido por aqueles, fazendo das duas nações uma só, de cujo brasão escorre sangue alheio, polonês. A sequência final de Katyn, uma das páginas mais hediondas da história humana, é sem dúvida uma das mais tristes e infames que o cinema já perpetrou. E que Wajda filmou com a frieza e o silêncio de uma lâmina. Um filme que justifica a afirmação de Camus, de que o século XX foi um século úmido. Todavia, ainda há, como sempre houve, pessoas suficientemente ingênuas para perguntar se choveu muito...

Para o escritor Carlos Barbosa, no dia do seu aniversário.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

INTERLÚDIO RUBRO-POLÍTICO

Nunca, na história deste país, tivemos que pagar para economizar nosso dinheirinho na poupança...

Surpresos?

"Pois é, não tamos entendendo o hic desse nunc, nem o quid desse quod." (RAYMOND QUENEAU)

Créditos: a caricatura é de autoria de Rafael Filho, publicada em 14/08/2007. A frase de Queneau está em Zazie no metrô (Rocco, 1985), em tradução de Irene M. H. Cubric.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

CATÁLOGO MAIGRET, 3

A PRIMEIRA INVESTIGAÇÃO DE MAIGRET (La première enquête de Maigret). Embora publicado em 1949, já na fase intermediária da série Maigret, enfoca a primeira investigação do comissário, ainda um simples secretário, e se passa no ano de 1913. O jovem, inexperiente e indeciso Maigret se vê às voltas com um assassinato sem corpo nem evidências concretas, e em pleno seio da alta burguesia parisiense. A história começa com um grito numa janela, seguido de um disparo. A única testemunha do evento é um músico, que se tornará o primeiro assistente de Maigret e, sem dúvida, o seu único arrimo nessa história, em que fica patente o tratamento diferenciado que se confere às classes sociais, mesmo num país de ideais libertários como a França. Pobres são pobres; ricos são ricos e mais alguma coisa... Maigret é convidado por seu chefe a fazer uma investigação pró-forma, que não leve a nada. Ao fim, porque desobedece, é afastado do caso e ignorado por todo o corpo policial, como se fosse um ser invisível e inumano. Mas tem a sua recompensa: é promovido. E, assim, silenciado. O jovem Maigret aprende então, e bem cedo, que há concessão para tudo neste mundo e que a vida, como diria Machado de Assis, é só uma operação de créditos e débitos.

AS CORES DA VIDA – "Da tarde ficara-lhe uma lembrança radiosa, a de uma das mais belas primaveras de Paris, do ar tão suave e perfumado que as pessoas se detinham na rua para aspirá-lo. Há dias as mulheres deviam sair nas horas mais quentes trajando roupas leves, mas só então ele o percebia. Tinha a impressão de assistir a uma floração de blusas claras, e já se avistavam margaridas, girassóis e miosótis nos chapéus, enquanto os homens se arriscavam a usar seus palhinhas."

VERDADE INÚTIL – "'Compreende? Provocar o mínimo de desgaste. A quem serviria toda a história?' 'À verdade.' 'Que verdade?'"

IMPRESSÕES – "Maigret não era ainda um homem desembaraçado. Lembrava-se apenas do cheiro de desinfetante no momento em que se precipitou na escada do metrô, do estalido das portas automáticas, da longa viagem na penumbra subterrânea, com vultos que oscilavam a cada movimento do carro, rostos escavados pela luz elétrica, olhos sonolentos."

SEGREDO A DOIS – "Uma enfermeira cortou-lhe os cabelos do alto da cabeça enquanto o médico lhe dizia tolices. Ela era muito bonita, assim uniformizada. Pelo jeito como se entreolhavam, deviam ter-se amado pouco antes da chegada de Maigret."

COMO NO AMOR – "Tinham estragado tudo, conspurcado a sua polícia. Não estava aborrecido por lhe arrebatarem um pequeno sucesso. Era algo mais profundo. Lembrava uma desilusão amorosa."

PODER – "Compreendia agora que não era uma simples questão de dinheiro. A partir de determinado nível de fortuna não é o dinheiro que importa, e sim o poder."

domingo, 3 de maio de 2009

AS AVENTURAS DE NICOLAU & RICARDO: DETETIVES

4. A FILHA

Nicolau e Ricardo não sabiam que estavam sendo seguidos. A primeira evidência veio com a bala que varou o ombro de Nicolau. A segunda – e não menos dolorosa – com outra bala, que se alojou na coxa esquerda de Ricardo.
Caídos e impotentes na rua escura e deserta – e Ricardo fora particularmente azarado, pois na queda perdera a pistola –, esperaram pelo vulto e pelo tiro de misericórdia... Uma cusparada no rosto foi tudo o que receberam. E as palavras, que o pistoleiro expeliu como se também cuspisse:
“Minha filha merecia mais respeito!”
E se foi.
Semanas depois, já restabelecidos e de volta ao trabalho, Nicolau e Ricardo se perguntavam a quem o atirador se referia: se às 87 mulheres assassinadas no Estado ao longo de um ano ou às 413 estupradas que tiveram coragem de procurar a polícia...
“Qual seria a sua filha?”
E Ricardo manuseava de um lado a outro as várias fotos de mulheres, que, muito antes de estar ali, nos frios arquivos da polícia, foram lindas garotinhas.


Em breve, o quinto episódio da segunda temporada. Imagem: capa da edição francesa de The getaway, de Jim Thompson (Gallimard, 1987).