"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

sábado, 29 de agosto de 2009

A OUTRA "AMY FOSTER"

A outra edição de Amy Foster no Brasil é esta, inclusa no volume Tufão e outras histórias (Typhoon and outher stories), que reúne, além de Amy Foster, os contos Tufão e Amanhã. Nascido na Polônia em 1857, com o nome Józef Teodor Konrad Naleck Korzaeniowski, Conrad acabou por se tornar um dos maiores prosadores de língua inglesa e um autor cultuado sobretudo pelos escritores. Tinha uma predileção por personagens solitários e amargurados, anti-heróis que, como ele, Conrad, tinham que lutar por seu lugar no mundo. Com seu estilo descritivo e inigualável, dado a incursões psicológicas e nuances de primitivismo, articulou romances ora densos ora movimentados que influenciaram inúmeros romancistas do século XX, na Inglaterra e no mundo, entre os quais Faulkner, O'Hara e Lowry.

ETNOCENTRISMO: AMY FOSTER

Um náufrago chega às praias de Colebrook, na costa da Inglaterra. Como não fala sequer uma palavra em inglês, pois nasceu num inominado país do Leste europeu, de onde partiu em busca de uma vida melhor na América, é considerado um maluco e recolhido ao depósito de madeira do Sr. Smith, cuja mulher, só de ver o estranho, ficou histérica. Mais tarde, já relativamente adaptado ao lugar, e namorando Amy Foster, o homem tenta levar uma vida normal, mas é impossível: não fala inglês, que não consegue aprender, canta nas tabernas músicas que ninguém conhece, dança de maneira insólita (batendo os tornozelos, estalando os dedos, acocorando-se e esticando uma das pernas), e, por isso, "foi posto para fora com violência; ganhou um olho preto". Quando bem mais tarde, já casado com Amy (outra estranha, e não é por outro motivo que eles se casam, embora ela fale inglês, seja do lugar) e pai de um filho, ele fica deprimido e melancólico a ponto de adoecer, acham que ele está maquinando algo, que sua loucura chegou a outro estágio, talvez mais perigoso... Metáfora (ou alegoria) da incapacidade de se lidar com as diferenças, com o outro, este é um dos melhores e mais incisivos contos longos de Joseph Conrad (1857-1924) sobre o etnocentrismo: "Ah, ele era diferente: um coração inocente e cheio de uma boa vontade que ninguém queria, esse náufrago, que, igual a um homem transplantado para outro planeta, estava separado de seu passado por um espaço imenso, e de seu futuro, por uma imensa ignorância. Sua fala rápida, vigorosa, positivamente chocava todo mundo. 'Um demônio nervoso', era como o qualificavam". Nesta edição de 2007, pela Revan (RJ), afirma-se na orelha que esta obra de Conrad era até então inédita no Brasil. Não era. Foi publicada antes, em 1985, pela L&PM, do RS, no volume original intitulado Tufão e outras histórias, em tradução de Albino Poli Jr. Amy Foster é um grande texto de Conrad, que chega a pelo menos duas traduções de qualidade no Brasil e que deve ser lido por todas as pessoas, afinal de contas, quando não somos os outros, somos os mesmos, e vice-versa. E vale lembrar que, quando perguntaram ao francês Paul Claudel que obras de Conrad deveriam ser lidas, ele respondeu, sem hesitar: "Todas!" Ênfase que, nas palavras de seu compatriota André Gide, atinge o paroxismo: "Entre meus maiores, eu não amava nem reconhecia ninguém mais do que ele". Joseph Conrad.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O GIBI JUBIABÁ

Amanhã, a convite da Fundação Pedro Calmon, para o seminário A atualidade de Jorge Amado, estará entre nós, na LDM Livraria Multicampi, às 17 horas, o cartunista paulista Spacca, autor da recente adaptação de Jubiabá para os quadrinhos.
Particularmente, não sou do tipo que espera encontrar fidelidade num filme extraído de um texto literário. São linguagens distintas, que demandam escolhas ora funcionais ora artísticas, sem contar as dificuldades que há em transpor para a “imagem visível” uma cena que no romance ou no conto é apenas sugerida pela força ou pelo sentido das palavras.
Com as histórias em quadrinhos não é diferente. Spacca teve que eleger sequências importantes e abdicar de outras. Deixou de lado uma das passagens mais bonitas do romance de Jorge Amado ― o capítulo “Vagão”, que pode ser lido como um conto ― em favor de uma narrativa mais fluida e acelerada, de uma representação mais pitoresca da realidade expressa no romance e também da personalidade de Balduíno, que mistura austeridade e arrogância. “Vagão” se insere num ponto de interlúdio da narrativa, quando Baldo, após agredir um peão da fazenda de fumo, escapa pelos matos e toma um trem para Feira de Santana. O ambiente sombrio e opressivo do interior do vagão contamina os personagens e os impõe a refletir sobre suas vidas e sobre a existência de um modo geral, num tom quase de adágio, que contrasta com o resto do romance, mais febril e colorido.
O próprio Spacca admitiu o ritmo lento e destoante deste trecho, optando por sua supressão. Ou seja, o que no romance Jubiabá é natural ― afinal de contas estamos diante de um gênero que se notabilizou mais pelo seu caráter informe que propriamente pela exatidão, e que se permite qualquer arrojo formal ―, no gibi torna-se um excesso, uma matéria sem grande utilidade e que, para o bem da trama, precisa ser polida. Isso é uma evidência de que as histórias em quadrinhos estão mais próximas do cinema que da literatura e que adaptar um romance para os quadrinhos se assemelha muito a transportá-lo para a luminosidade embriagante da tela.
Este é, aliás, um dos grandes trunfos do gibi Jubiabá. É puro cinema, sem deixar de ser uma ótima adaptação de um dos grandes romances brasileiros do século XX. Não tenta ser literário e acaba por conservar, paradoxalmente, a dicção do romance, preservando muito do estilo do autor e, em especial, o tom picaresco da fala dos personagens: “Dê seu jeito”, diz Baldo quando Osório, noivo de Maria dos Reis, os surpreende juntos ― fala e corpo conjugados magistralmente (p. 35). E então sabemos, de antemão, que a pose de Baldo não é bravata, é força mesmo, coragem do autêntico boxeador que ele será.
Posso estar enganado, mas acredito que esta adaptação de Jubiabá vai formar e motivar muitos leitores jovens: de quadrinhos, cinema e literatura. Estamos precisando.

domingo, 23 de agosto de 2009

FUGIR

Uma trama que é só um pretexto para uma aventura, e uma revelação. O mais recente romance do belga Jean-Pierre Toussaint elege a narrativa oriental como tom e faz da linguagem um meio para captar cores, formas, odores, sensações, espaços, épocas, objetos, atmosferas perdidas ou que vão se perder. Ao fim, descobrimos que tudo, da primeira à última palavra, do gesto mais brusco ao olhar mais sutil, forma uma aventura que vai obrigar o protagonista a tomar uma decisão, responder à pergunta: "Será que eu acabaria tudo com Marie?" Ora, ele já respondeu que sim, na segunda linha do romance: "No verão anterior à nossa 'separação', tinha passado algumas semanas em Xangai (...)". Só não sabemos como. O romance é este 'como', e passa por Xangai, Pequim e pela ilha de Elba, onde tudo se decide, em braçadas marinhas de desespero, pavor, amor e amizade. Um périplo no qual a história pouco importa. O fluxo da vida não permite organização com começo, meio e fim precisos. Apenas experiências, que ora faltam ora sobram, e com as quais, se a vida não é clara, benéfica, ao menos torna-se suportável.

sábado, 22 de agosto de 2009

UM CLÁSSICO!

Finalmente, com 46 anos de atraso, chega ao Brasil O planeta dos macacos, de Pierre Boulle, romance francês de ficção científica que inspirou o filme homônimo, de 1967. Adeptos, cultores e outros aproveitem! A edição, pela Agir, integra a coleção Pocket Ouro, série Grandes Filmes, a preço relativamente módico. Quem não se lembra da cena em que Taylor, a cavalo, com a bela Nova na garupa, na praia, avista de repente a Estátua da Liberdade tombada e destroçada? Segundo Nelson de Oliveira: "Um clássico!"

sábado, 15 de agosto de 2009

CINEMA DE PROPOSTA

Não posso analisar a produção cinematográfica atual, pois me falta suficiente conhecimento técnico e estético, mas posso expor minhas impressões. O que tenho notado é o mundo cinematográfico dividido em dois pólos: cinema de entretenimento de um lado e cinema de proposta de outro. Já não podemos usar a expressão cinema de arte, pois este conceito mudou muito e reúne hoje tanto a produção independente quanto a de países exóticos, sem muita tradição em cinema. Então prefiro esta expressão, tirada de Umberto Eco: cinema de proposta. Um cinema que quebre clichês, introduza novos assuntos, arrisque novas formas narrativas, dialogue com os clássicos, desloque nosso olhar para outros ângulos, subverta os gêneros, nos diga que a realidade é mais complexa do que nos quer fazer ver Hollywood ou a Globo Filmes. Que nos mostre, metaforicamente, a verdadeira face do mundo. Exemplos: Adeus Lênin, Irreversível, A passagem (Stay), 21 Gramas, O último beijo, Corra Lola corra, A janela da frente, Domésticas, O invasor, Nina, Cidade dos sonhos, 2046, Amor à flor da pele, Agora ou nunca, As luzes de um verão, Entre quatro paredes, O amigo do defunto, A isca, Caché, Os sonhadores, A vida dos outros, Encontros e desencontros, Ninho vazio, O nome dela é Carla, Vocês, os vivos, Import export, Quando um estranho chama, Reconstrução de um amor, Respiro, Alila, Chuva de verão, Lantana, Mar aberto etc.