"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 21 de março de 2013

LEITURAS 23: OS MARINHEIROS PERDIDOS

Jean-Claude Izzo (1945-2000) era contista, poeta e romancista. Autodidata, empregou antes de tudo a intuição e, assim, filiou-se ao grupo dos grandes escritores intuitivos franceses, dentre os quais os mais notáveis talvez sejam Jean Genet e Céline. Nascido em Marselha, um dos mais antigos e importantes portos da Europa, impregnou de sal e sol toda a sua obra, mesmo os romances policiais, aos quais não falta certo tom de melancolia e desencanto, características marcantes tanto de sua prosa quanto de seus versos. “Os marinheiros perdidos” (Record, 2001), publicado originalmente em 1997, conserva esta moldura. Concentra-se nos dias que se seguem à inércia do navio Aldebaran, retido no porto de Marselha como garantia de pagamento das dívidas de seu proprietário. A tripulação ou aceita um acordo, com indenização, ou fica à espera de um desfecho mais propício, que, no entanto, pode demorar. Em meio a este impasse, o capitão Aziz, seu imediato Diamantis e o marinheiro Nedim se aprofundam na cidade, mesclam-se aos seus habitantes e veem, a pouco e pouco, suas vidas se transformar. Em estilo rápido e direto, mas trespassado de poesia e refrações psicológicas, Izzo escreve um romance marítimo sem mar. Os aforismos pontuam toda a trama, numa espécie de advertência ao nosso tempo, marcado pelas narrativas vazias: “No futuro, tudo existe, tudo é possível”. Enriquecem a edição as ilustrações, inclusive de capa, do quadrinista brasileiro Flávio Colin, de fama internacional e que, infelizmente, já não está entre nós, os marinheiros perdidos. 

Publicado originalmente na coluna Crítica Rasteira, da revista Verbo 21, em fevereiro de 2013.

quarta-feira, 13 de março de 2013

KAFKA NA BAHIA

Cena de O processo (1962).
O Planserv, plano de saúde do Governo do Estado da Bahia, não está emitindo cartões de plástico para os seus associados, porque o contrato com a empresa que os fabricava se encerrou, e uma nova licitação terá que ser feita ― e todos nós sabemos como as tais licitações (desculpa para quase tudo) são rápidas neste Estado. Enquanto isso, minha esposa que teve o seu cartão roubado anteontem, terá que emitir um novo através da internet, mas este cartão, supostamente provisório, é tão fuleiro que o atendimento médico só ocorre mediante apresentação da carteira de identidade. Ora, a sua identidade também foi roubada, junto com o cartão do Planserv, e o SAC só emitirá outra daqui a duas ou três semanas... Este é o Governo do Estado da Bahia, kafkiano ao extremo, complacente com o crime, negligente com a saúde e que despreza a educação e o bem-estar das pessoas. Einstein estava certo, quando afirmou que o maior inimigo do indivíduo é o Governo.

sexta-feira, 1 de março de 2013

A PONTE DA INSENSATEZ

A ironia de Flávio Luiz.
Hoje, alguns dos leitores do Não leia!, comentando sobre o Metrô Imóvel de Salvador, que o atual governo imobilizou ainda mais, lembraram a ponte que eles querem construir, ligando Salvador a Itaparica. Obviamente que os (e)leitores só podem achar que, depois de tudo, esta ponte será mais uma piada. Pois foi isso mesmo que pensou o cartunista baiano Flávio Luiz, anos atrás, quando o projeto de construção foi anunciado. A charge acima sugere, com humor e ironia, que a ponte poderia se tornar a passarela de um incessante desfile de tudo o que Salvador é, para o bem e para o mal, e em grande parte por culpa dos políticos. Faraônica seria a ponte, mas seu uso, bem cotidiano, como a Av. Sete de Setembro, no Centro. O mais certo, porém, é que, pela tradição das últimas décadas, a ponte comece a ser construída e, depois de meses ou anos, pare, pela metade, como um braço amputado, suspenso na imensidão do mar. Um trampolim como aqueles sobre os quais, nos desenhos animados, os piratas obrigam que os marujos rebelados andem, para a morte... Um símbolo da insensatez dos políticos e de sua opção antes pela publicidade do que pelo bem estar da população que representam.

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METRÔ IMÓVEL NA CHUVA

Pichações e desgastes já são visíveis em vários trechos.
Esse governo da Bahia deve supor que somos patetas ou eles mágicos para achar que, em 2015, eles continuarão sua ditadura ideológica. O maior símbolo de sua inoperância como gestores públicos, e que, no entanto, foi carro-chefe de campanha, é o Metrô de Salvador. Continua lá, parado, sob a chuva e o sol, o que nos leva, mais uma vez, à literatura, à poesia: "Há algo mais triste no mundoque um trem imóvel na chuva?" Mas eles não sabem o que é isso, pois nem Pablo Neruda, que foi comunista, eles leem.