"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sábado, 27 de julho de 2013

LIVROS DE POLÍTICOS

Que inocência!
"Há vários anos, todo político escreve (ou, mais precisamente, encomenda) um livro tentando seduzir os imbecis para recuperar um pouco do prestígio que perde a cada dia. É a espinha mais dolorosa que temos de engolir em nome da liberdade de expressão: os políticos dando de espertinhos para lá e para cá, num e noutro estúdio de televisão, tentando mostrar que no fundo são pessoas legais e que estaríamos equivocados se não votássemos neles. Mas a situação é justamente essa. Então, para não acabarem se desmoralizando totalmente, preferem fazer acreditar que também se interessam por outras coisas além da própria carreira; encomendam a alguém um pequeno livro, apõem impunemente sua assinatura nele e voltam aos estúdios de televisão, dessa vez sem gravata, para tentar se vender de novo; com efeito, os políticos se tornaram meras prostitutas que já não conseguem divertir ninguém e rodam as bolsinhas por aí, miseravelmente."

Palavras do escritor francês FLORIAN ZELLER, em A fascinação pelo pior (Rio de Janeiro: Rocco, 2008), publicado originalmente na França em 2004, pelas Éditions Flammarion.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

DIA DO ESCRITOR: TRÊS HISTÓRIAS

Capa: Guilherme Peres.
AVE, PALAVRA

O poeta sentou debaixo da árvore. Armou o alçapão e ficou à espera.
Esperando o quê?
Ninguém sabia. A armadilha era tão invisível quanto o pássaro que ele esperava.


CANÁRIO

Ao atravessar a rua, o poeta se distraiu e não viu o carro vindo em sua direção.
Trágico acidente.
Do fio do poste voou impune o verdadeiro culpado.


EÇA É BOA

Em dias assim, kafka eu a pensar: kundera eu fosse um grande escritor, capaz de escrever obras-primas camus estas... Poe certo, eu não estaria aqui, camões doendo de tanto empilhar livros. Eu, homero bibliotecário.

Todas de Histórias para ninar dragões (Multifoco, 2012), de Wilson Gorj, que, além de poeta, contista e editor, nasceu no dia do escritor, profissão reconhecida, mas não regulamentada. Uma das justificativas: "O Brasil é um País que lê pouco, o livro custa caro, e a população não tem renda disponível para tais luxos", afirmou Elias Daher, na condição de presidente do Sindicato dos Escritores (DF). Parabéns, Governo Brasileiro, pelo excelente País que os senhores estão formando!

terça-feira, 23 de julho de 2013

LEITURAS, 31: ABAIXO DE ZERO

L&PM e Rocco, 2011.
O tom é de frieza e desinteresse; o assunto, sexo, drogas e violência; ao ritmo de festas, rock e videogame. Poucas vezes um romance foi tão cínico. E poucas vezes o cinismo foi tão belo. Com Abaixo de zero (Less than zero, 1985), Bret Easton Ellis apareceu para o mundo da literatura, e o fez de maneira contundente, descrevendo, num estilo seco e sem envolvimento emocional, o universo alienado dos jovens ricos da Califórnia. Clay, Rip, Kim, Alana, Blair, Muriel, Trent, Daniel e tantos outros (ninguém tem sobrenome) gozam as férias de fim de ano e, em seus carrões, perambulam por boates, restaurantes, lanchonetes, shopping centers, bares, cinemas e festas. As conversas são vazias e giram sobre assuntos os mais fúteis. Eles não apreciam nada, e nada lhes importa, senão as canções do momento e as drogas, que os mantêm estimulados. As relações amorosas são efêmeras e, em geral, não vão além de uma trepada, num estado de ânimo tão intenso que faria desaparecer a espécie. Um motor de desencanto e impaciência conduz suas vidas, que, durante aquele mês, avançam mais um pouco em direção ao nada e ao fim. Quase ao final do livro, o narrador, que, sem dúvida, nos assusta com sua passividade e seu alheamento, incapaz de pronunciar qualquer reflexão, praticamente se justifica e define seu comportamento estoico e niilista: "Não quero me interessar. Se eu me interessar pelas coisas, vai ser pior. É menos doloroso não ligar". Creio que ele está certo. Como creio que este livro é tão mortal quanto um tiro. Experimente. Ou não. Às vezes, é melhor não ler. Não leia!

domingo, 21 de julho de 2013

quarta-feira, 17 de julho de 2013

CINECONHECIMENTO, 4: DIAMANTES

Em meio ao mítico deserto africano, onde os diamantes pululam à flor da terra, Peter Lorre diz para Burt Lancaster, à entrada de um restaurante chique de Diamantstad:

"Olhe este lugar um instante. Sempre me lembra o interior de uma baleia. É só uma associação intelectual, claro. Mas é do interior de uma baleia que retiramos a base para os perfumes mais incríveis, o que, em troca, confundimos com desejo, virtude, uma grande paixão. Por que está aqui? Eu, você, qualquer um de nós, por que ficamos em Diamantstad? Porque nos apaixonamos. É, sim, nós nos apaixonamos, colhendo desta mulher, deste deserto, desta cortesã impiedosa. Mas ficamos aqui, eternamente esperançosos, por um pequeno privilégio resplandecente. Este deserto é um lugar incrível, onde as pedras preciosas estão logo aqui embaixo, livres. Livres e prontas a ser apanhadas, não fossem algumas restrições infelizes".

Com roteiro de Walter Doniger e John Paxton, e direção do alemão William Dieterle, que se especializou em filmes biográficos, Zona proibida (Rope of sand, 1949) é um noir diferente, passado sob o sol implacável do deserto e na escuridão silenciosa da ambiguidade humana. Mas os ícones básicos estão presentes: a femme fatal (interpretada pela francesa Corinne Calvet), homens ambiciosos em luta, riqueza imensurável, marcas do passado, traições, caprichos, virtudes inesperadas e beijos de perder o fôlego. Se a maior conquista dos filmes do gênero noir é mesmo a mulher, não será demais afirmar que seus melhores companheiros são, de fato, os diamantes.

sábado, 6 de julho de 2013

LEITURAS, 30: DO AMOR AUSENTE

Do amor ausente, de Paulo Roberto Pires (Rio de Janeiro: Rocco, 2000), é um dos mais originais romances breves de nossa literatura, nos últimos anos. No estilo, mistura registro poético com linguagem protocolar; no assunto, contrapõe não-ditos com análises sutis; no desfecho, faz opção pela ambiguidade. A própria história é uma metáfora da impossibilidade de apreensão e domínio da vida, do amor, das relações. Sua originalidade o faz desgarrado de qualquer linhagem, para frente ou para trás. Um romance em tom menor (sem lamentos, nem queixas, nem gritos), discreto como uma brisa, mas de alcance largo, profundo. Reflexões, algumas singulares, outras meramente funcionais, em coerência com a narrativa, costuram a trama. Como esta, que desenvolve uma suposta teoria sobre o destino final das paixões: "As que se consomem em sim mesmas, e se apagam. As outras, que se extraviam por motivos vários, desde os desencontros cotidianos até a inadaptação à vida prática, que segue. Há ainda as que sequer se consumaram, que subsistem como memória simulada". A lamentar somente a péssima edição da Rocco, com erros crassos, tanto de revisão quanto de edição.

Também publicado na Verbo 21.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

AS 10+ DE WHISKY COM BOLACHAS

O verdadeiro Juvenal Juvêncio. Fonte: Uol.
Semana passada, publiquei aqui uma resenha do livro Whisky com bolachas (Casarão do Verbo, 2012), de Juvenal Juvêncio Fake, e rapidamente tornou-se uma das postagens mais visitadas. Isso me motivou a escolher as dez melhores frases do livro, segundo critérios pessoais de gosto e, claro, de humor, ironia  essência de todo o livro. No mais, optei por aquelas frases que não necessitam de contexto, cujo entendimento é imediato, e não perdem sentido com o passar do tempo.

1. "Com a morte do gênio Chico Anísio, o maior comediante do país passa a ser o Corinthians mesmo."

2. "Ronaldinho pediu a camisa 49 para ficar mais perto da 51."

3. "Existe um antigo provérbio chinês que diz: esporte é só futebol, o resto é gincana."

4. "Os deuses do futebol jamais permitiriam que o Neymar tivesse uma medalha de ouro e o Romário não."

5. "Bolão do Pai Juvenal: o juiz vai errar a favor do Corinthians no primeiro ou no segundo tempo?"

6. "Hoje, no elevador, o ascensorista: ― Vai subir ou vai Palmeiras?"

7. "Não é que eu erre em algumas contratações. Às vezes eu contrato pernas de pau só pra fazer piada."

8. "Num país sério, a história do Rogério Ceni seria ensinada nas escolas."

9. "Tô pensando em comprar algum time pequeno da Espanha e montar uma filial do São Paulo, só pra gente também ganhar a Champions League."

10. "É duro torcer para o Atlético (MG). Você nada, nada, nada e não tem nem praia pra morrer."

terça-feira, 2 de julho de 2013

LEITURAS, 29: O HOMEM DE FERRO

Capa: Marcos Lisboa.
Raros são os livros escritos para o público jovem (infância ou adolescência) que resistem a uma leitura adulta. Sem muito pensar, podemos citar dois ou três: A árvore generosa, Os meninos da Rua Paulo, O flautista de Hamelin. Condição partilhada pela novela O homem de ferro (The iron man, Martins Fontes, 1998), do inglês Ted Hughes, uma fábula sobre a importância de todos os seres para a vida e para o mundo, sua utilidade ingênita na harmonia do Cosmo. Ninguém sabe de onde o gigantesco Homem de Ferro veio, nem como foi criado, mas isso não faz dele uma ameaça. Apenas evidencia a diversidade da vida e das formas de vida, e nos diz ironicamente que as boas índoles não escolhem corpo nem matéria. Publicada originalmente em 1968, gerou, mais de trinta anos depois, um longa-metragem de animação inesquecível: O gigante de ferro (1999), dirigido por Brad Bird. Uma atração a mais para os aficionados por livros ilustrados: os sensacionais desenhos em P&B de Andrew Davidson.

Também publicado na revista Verbo 21.