"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

COMO LER OS GRANDES AUTORES

Edição Brasileira: Editora 34.
Vivemos um melancólico tempo de padronização em tudo. Dos comportamentos, do vestuário, da escrita, da cultura (a Secult-BA quer que os autores de uma publicação para a feira de Frankfurt sejam apresentados por foto idêntica, da cintura para cima e fundo branco), das respostas, das perguntas e, obviamente, da leitura. Eis o motivo por que abundam livros com o mesmo entrecho e igual estilo, e que as grandes livrarias vendem como novidade. Ah, novidade de capa! Talvez de um "novo" autor, não muito diferente daquele último que entrou na lista dos mais vendidos, mês passado. Seguramente de editora, pois as editoras se esforçam por superar umas às outras sem qualquer intenção de diversidade, de bibliodiversidade. Ou seja, mais do mesmo. Sempre.

Um cenário deste e uma orientação assim, para o "igual", são decisivos para uma desastrosa recepção da Literatura. Reiteremos, Literatura, e não literatura, comumente de consumo ou de massa. A Literatura trabalha com visões de mundo singulares, pontos de vista diversos, investe na forma e acentua o estilo, tanto na linguagem quanto no dinamismo com que articula as partes de uma trama ou de um poema, por menos específicos ou mais pessoais que sejam. Impõe um sentido ambíguo à condição humana e representa o mundo, este em que vivemos e outros, enfatizando as suas possibilidades, o que resulta no aumento do senso crítico do leitor, em lugar de embotá-lo na mesmice da repetição. Cada autor será, por sua vez, um mundo novo e um estilo único, aos quais os leitores vão se habituar e onde vão permanecer, enriquecendo-se, até que uma nova leitura, de um outro Autor, os chame e os conquiste, para revigorantes experimentações.

No seu romance Como fazer amor com um negro sem se cansar (Comment faire l'amour avec un negre sans se fatiguer, 1985), o haitiano Dany Laferrière sugere cenários ou adaptações ou climas para se ler cada grande autor:

"É preciso ler Hemingway de pé, Bashô andando, Proust na banheira, Cervantes no hospital, Simenon no trem (Canadian Pacific), Dante no paraíso, Dosto no inferno, Miller num bar esfumaçado com cachorros quentes, fritas e Coca-Cola... Eu lia Mishima com uma garrafa de vinho barato ao pé da cama, completamente esgotado, e uma garota ao lado, no chuveiro".

Uma bela metáfora do que é a Leitura de Literatura: uma troca constante de estação, uma temporada a cada novo autor, atual ou clássico, e aos quais devemos nos adaptar, como o fazemos a cada estação do ano.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

TEMPO GANHO, TEMPO PERDIDO

"Eu tinha tantas coisas na cabeça! Tantas, que me custava colocá-las em ordem. Acontecia-me às vezes, mesmo no escritório. Não reorganizava imediatamente uma pasta e acabava por não conseguir mais encontrá-la. E minha mãe dizia então que as coisas devem ser colocadas em seu lugar à medida que chegam, quando ainda podem ser administradas; que, quando se deixa espaço para a desordem, vem o desânimo e não se consegue mais reorganizar nada, perde-se um monte de tempo. Mas, ao contrário, quando se perde aquele bocadinho de tempo necessário para recolocar uma coisa imediatamente em seu lugar, depois é tudo tempo ganho, pois cada coisa está em seu lugar a qualquer momento que se procure..."

MARCELLO FOIS, escritor italiano, em Sempre caro (Record, 2004). Com pouco mais de cinquenta anos, Fois vem se notabilizando por uma produção de reconhecido valor literário e alguma penetração popular, talvez oriunda dos prêmios que ganhou, o Calvino, em 1995, e o Dessi, dois anos depois, bem como de seu estilo, preciso e envolvente. Criador do personagem Bustianu, um advogado que, por força das circunstâncias, acaba por resolver intrincados crimes.