"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sábado, 30 de novembro de 2013

IRMANDADE CONTRA OS LIVROS

Ao Sr. Albino Rubim, Secretário de Cultura, que odeia livros e tudo fez (e faz) para transformar a maior biblioteca pública do Estado da Bahia, nos Barris, em centro de cultura, com suas manifestações artísticas de gosto duvidoso e, não raro, barulhentas, e ao Sr. Aurélio Schommer, conselheiro de cultura, que decretou, há três anos, o fim do livro, ironicamente oferecemos o parágrafo de JOHN FANTE a seguir, frisando que se enganam aqueles que acham que estas duas personalidades são democráticas e querem o melhor para a nossa sociedade. Em surdina, com atos e falas, eles vão retirando do alcance das pessoas o mais avassalador objeto de conhecimento e transformação que qualquer indivíduo pode ter em mãos: O LIVRO. Cargos públicos são política, escadaria para o céu, e estes dois alimentam, sim, ambições maiores, as quais só poderemos deter se ficarmos atentos, na hora das urnas. Não podemos esquecer que o mal reside nos detalhes, e que, obviamente, não devemos colaborar com ele. Um secretário de cultura que chegou a cogitar não realizar a Bienal do Livro da Bahia 2013 não pode mesmo ter a cabeça no lugar, a não ser na hora passar xampu. E agora, FANTE:

"Como Paulo, que teve seu momento de verdade diante de Damasco, também Henry Molise tivera seu fragmento de êxtase 25 anos antes na Biblioteca Pública de San Elmo. Encostei ao lado do gracioso edifício, subi os degraus de arenito que meu pai tinha construído com suas próprias mãos e segui com passos firmes ao longo de um corredor de estantes até aquele local familiar, na quina junto à janela perto do apontador de lápis, debaixo do retrato de Mark Twain, e puxei o exemplar encadernado em couro de Os irmãos Karamazov. Segurei-o em minhas mãos, folheei as páginas, agarrei-o com força entre meus braços, minha vida, minha alegria, meu sublime Dostoievski. Posso ter falhado com ele em meus atos, mas nunca em minha devoção. Meu querido Papa se fora, mas Fiodor Mikhailovich me acompanharia até o fim da vida". (Em A irmandade da uva, José Olympio, 2013)

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A IRMANDADE DOS ERROS

Capa: Sérgio Liuzzi.
Foi o escritor Dênisson Padilha Filho quem me avisou que o romance A irmandade da uva tinha sido publicado no Brasil, em maio deste ano, pela José Olympio Editora. Eu me valia até então da edição da espanhola Editorial Anagrama, de 2004. Belíssima, a propósito. Um livro impecável. Não podemos dizer o mesmo desta edição da saudosa José Olympio. Primeiramente, deve-se esclarecer que a José Olympio é hoje um cômodo do Grupo Record. Não lembra em nada a grande editora que foi, com a sua magistral coleção Sagarana, que reunia grandes autores brasileiros, como José Lins do Rego, José Cândido de Carvalho, Guimarães Rosa, Cyro dos Anjos, Antônio Olavo Pereira, Dinah Silveira de Queiroz e tantos outros. E que estampava os mais generosos textos de colofão já escritos no Brasil, lembrando os aniversários de eminentes personalidades do conhecimento e das artes, brasileiros e estrangeiros.

Meu primeiro problema com esta edição do romance de Fante pela José Olympio começou na página 30, com a nota, que aqui transcrevo: "Fante errava muito na ortografia italiana. No caso, o correto é 'paesani' (N. do T.)". Ora, toda esta pose só porque aparece no texto a forma "paisani". Que deselegante! E que desperdício de forças e ideias! Parece, de fato, que, em geral, nós, brasileiros, adoramos desmitificar quem quer que seja, de escritores a expoentes da música popular. Detestamos os bem-sucedidos, odiamos os supostos heróis. Na edição espanhola, que prescinde de nota, aparece tão somente, também à página 30, a forma "paisanos". Simples, direta, elegante. Mas aqui, no Brasil, precisamos, em favor de um preciosismo de tradução, transcrever a forma original em italiano, pôr nota, grifar que houve erro do autor e sermos grosseiros.
 
Daí por diante, minha leitura, que é sempre atenta a tudo, não perdoou os responsáveis por trazer este livro de Fante para o nosso idioma. Na página 63, encontramos: "Puxou do bolso um lenço de bolinhas, 'assuou' o nariz e emborcou outro trago de vinho". A forma correta é "assoou", do verbo "assoar", limpar o nariz. "Assuou" é forma conjugada de "assuar", cujo sentido é "insultar com vaia, vaiar, apupar". E não é de se conceber que Fante escreveria: "Puxou do bolso um lenço de bolinhas, 'vaiou' o nariz e emborcou outro trago de vinho". Só em literatura fantástica ou linguagem figurada alguém "vaia o nariz". Gogol (ou Gógol), certamente, escreveria isso em seu conto O nariz!
 
Por fim, e para não me acusarem de que leio os livros somente em busca de erros, lá está na orelha este tesouro: "João Fante foi acometido de diabetes em 1955". João Fante! Deus, fico pensando se se referem a Machado de Assis, nos EUA, como "Axe de Assis, autor de Dom Casmurro".
 
Bem, encerremos com uma nota: a editora José Olympio erra muito. Atualmente.

sábado, 23 de novembro de 2013

AH, AS POSSIBILIDADES!

"Em uma praia sem atrativos como aquela, sem charme como um resort do Nordeste jamais imaginaria existir, eu via mulheres de todos os tipos e de todos os jeitos, mesmo que procurasse não olhar. Morenas de maiô branco. Loiras com a parte de cima do biquíni aberta nas costas, espécie de topless familiar. Ruivas ficando mais sardentas, meninas aprendendo a virar moças e ainda aquelas com livros na mão, ou revistas, ou jornais, ou a bula do protetor solar, que fosse. Cada uma, uma possibilidade.
"Então eu tive a única iluminação da minha vida, contrariando todos os avisos de apagar as luzes que o governo, em crise de energia, andava espalhando pelo país.
"Não era Úrsula que eu queria, quando me separei de Alice. O que eu queria, na verdade, eram as possibilidades."
 
CLAUDIA TAJES, em As pernas de Úrsula (L&PM, 2011). A autora vem desenvolvendo um belo trabalho de renovação da literatura brasileira contemporânea, conferindo às suas tramas cotidianas uma mistura de psicologia e humor. Nesta novela, assistimos ao despertar de um Casanova moderno, aprisionado durante anos a um casamento insalubre.

domingo, 17 de novembro de 2013

A CARTOMANTE, EM CORDEL

A Nova Alexandria, editora de São Paulo, criou tempos atrás uma coleção de clássicos brasileiros e universais adaptados para o cordel. Na coleção, está o nosso Antônio Barreto, poeta e cordelista baiano, com o seu A cartomante, em cordel (São Paulo, 2012), adaptado do célebre conto de Machado de Assis. Recebi do autor um exemplar na Bienal do Livro da Bahia, na terça-feira, li e gostei muito, por três motivos básicos: 1) o psicologismo do conto se mantém; 2) a ironia de Machado permanece intacta, e 3) a história, um dos melhores relatos curtos de Machado, continua a ser uma trama policial. Barreto, habilidoso cordelista que é, soube reverenciar Machado de Assis, ao mesmo tempo que o entrega, de bom grado, a um público que, talvez, por outras vias, não chegasse a conhece-lo. Portanto, esta adaptação, antes de promover um afastamento da obra machadiana, diluindo-a, constitui um portal de entrada para o seu universo: um dos mais instigantes e complexos de toda a literatura universal.
 
O início
 
"Camilo ria da amada
Com sarcasmo e ironia,
Apenas porque a moça
Por crença e ideologia
Consultou a cartomante,
Que algo estranho previa."
 
O meio
 
"Tinha vontade de rir...
E ria, ria sozinho...
Por saber que a cartomante
Retirara o seu espinho,
Devolvera-lhe a alegria
Pra seguir o seu caminho."
 
O fim
 
"Ele pegou-o pela gola
E deu fim na traição.
Com dois tiros disparados,
Outro corpo foi ao chão...
Restara somente um vivo,
Perdido na solidão."

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

NA BIENAL, NESTE FERIADO

O editor Rosel Soares, da Casarão do Verbo, me convidou para bater um papo com os leitores e autografar exemplares do Três infâncias e outros livros, sexta-feira, dia 15, a partir das 15 horas, na Bienal do Livro da Bahia, no estande da editora (E-04). Os interessados são mais do que bem-vindos.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ARTE E ORALIDADE

São Paulo: Octavo, 2010.
A tendência contemporânea de se ouvir o autor falar, mais do que ler sua obra, que fica à margem das discussões e das ideias, apenas como um pretexto, já havia sido prevista por Octave Uzanne (1851-1931), escritor francês, em sua obra O fim dos livros:
 
"Ao se referirem a um autor de sucesso, as senhoras não mais dirão: 'Eu gosto tanto de sua escrita!' Elas suspirarão trêmulas: 'Oh! Este falante tem uma voz que penetra. Que charme, que emoção; suas notas baixas são adoráveis; seus gritos de amor transpassam. Ele nos parte de emoção após a audição do seu trabalho. É um sequestrador de ouvidos incomparável'".
 
Octave Uzanne ainda previu: "A arte será então uma aristocracia fechada; a produção será rara, mística, devota e altamente pessoal. Esta arte talvez compreenderá de dez a doze apóstolos por geração e, quem sabe, uma centena a mais de fervorosos discípulos".
 
LAUS UZANNE!

domingo, 10 de novembro de 2013

AS PÉROLAS DA SECULT-BA

Capa e contracapa: projeto gráfico da P55.
Abri o livro Autores baianos: um panorama (Secult-BA & P55, 2013), organizado para aumentar o leque de autores baianos "presentes" em Frankfurt, com o coração livre, mas os sentidos aguçados. Como, aliás, faço com qualquer livro que começo a ler. Mas, já nos primeiros textos institucionais, me deparei com tantas "pérolas", que não resisti a fazer uma breve seleta do que li. E foi inevitável que, durante o curso da operação, eu me lembrasse de uma conferência municipal de cultura a que compareci, em Irará, em 2009. Na mesa oficial, encabeçada pelo ex-secretário Márcio Meirelles, não foram poucas as pérolas entregues aos porcos, na plateia. A mais sofisticada de todas procedeu dos lábios, e da mente arguta, de um dos políticos locais: "Cultura é cultura". Houve ainda esta, do chefe da mesa: "Se vocês fizerem uma abundância de silêncio, posso continuar o meu discurso".
 
Mas vamos às pérolas prometidas, começando pelas do eminente secretário de cultura Albino Rubim:
 
1) "Com estas ações, a Secretária de Cultura busca contribuir para a internacionalização da cultura da Bahia e, em especial, para o estabelecimento de novos diálogos interculturais, tão vitais para a cultura".
 
2)"Tais relações interculturais, nacionais e internacionais, por óbvio, pressupõem a afirmação da singularidade da cultura baiana e a relevância da nossa identidade cultural. A rigor, sem estes reconhecimentos, não pode haver uma verdadeira troca cultural, pois ela implica sempre em um encontro entre culturas que se (re)conheçam e respeitem como movimentos relevantes. Sem isto, em lugar de trocas, emergem imposições, dominações e imperialismos culturais."
 
3) "Nesta perspectiva, os diálogos interculturais adquirem um papel essencial para a vida cultural em uma contemporaneidade cada vez mais glocalizada (sic)".
 
Bem, já temos uma amostra suficiente que marca um discurso vazio e tautológico. As palavras "cultura", "intercultural" e "cultural" esvaziam-se de sentido pela repetição e acabam por determinar a incapacidade do autor em ser mais claro e, talvez, de se aprofundar em sua matéria, na qual, se pressupõe, ele seja especialista. Na verdade, ele está embromando, no texto e a todos nós. Numa apresentação de nove parágrafos, apenas em um ele não usa, abundantemente, estas palavras. E é exatamente naquele em que revela, para a minha surpresa, e talvez de muitos, que os autores arrolados no livro o foram, também, pelos "perfis" que possuem. Ou seja, não prevaleceu a relevância estética, se é que, aos olhos do secretário, algum daqueles autores a possui. A esse propósito, cabe citar aqui a fala de um escritor baiano, que, ao saber dos escolhidos, disse: "Eu diminuiria a massa de texto de cada um e aumentaria o arco de autores. Incluiria Antônio Brasileiro, Adelmo Oliveira, José Inácio Vieira de Melo, Carlos Barbosa, Lita Passos, Elieser Cesar, Renata Belmonte, Luís Pimentel, Antônio Barreto, Wladimir Cazé, Nádia São Paulo, Sandro Ornelas e alguns outros. Chegaria a trinta autores. Pecaria antes pelo excesso que pela falta". Mas a verdade é que não houve pesquisa: os próprios autores selecionaram seus textos, os próprios autores redigiram suas biografias. É um livro cujo mérito é dos autores, de ninguém mais. Fica fácil organizar o que quer que seja assim.
 
Encerremos, portanto, com mais algumas pérolas, agora dos colaboradores do secretário:
 
4) "Publicar, traduzir e difundir são passos fundamentais para a internacionalização das políticas públicas para o livro, leitura (sic) e literatura". Ou seja: o propósito é divulgar as "políticas públicas", os autores foram apenas "um modo se usar". Bem dizia Octavio Paz que as palavras dizem mais do que seus autores pretendiam.
 
5) "São literaturas que podem estar configuradas em diferentes tempos num mesmo momento, o presente".  Ah, configuradas... A informática fornece, mesmo, um ótimo vocabulário para se aplicar à cultura e à literatura. Um vocabulário rarefeito.
 
6) "A capoeira, a culinária, o candomblé e o carnaval são as mais especuladas características desta terra, mas há uma Bahia contemporânea desconhecida para muitos". Sem dúvida, inclusive para quem disse isto, pois a capoeira, a culinária, o candomblé e o carnaval não são "características", são manifestações culturais. E o secretário gastando tanta "cultura"...
 
Um amigo costuma dizer que uma das frases mais criativas que ele leu em pichação de muro foi: "Em terra de olho, quem tem um cego, errei". A minha preferida é esta tabuleta, que eu lia e relia, na porta de uma granja, no Rio de Janeiro, sempre que voltava da escola: "Temos frangos abatidos vivos". Pois bem, os escritores baianos, e talvez os leitores baianos, "estão sendo abatidos vivos" por uma secretaria de cultura que tem em seu comando um cego, que jamais dirá: "Errei".

sábado, 9 de novembro de 2013

NA ESCURIDÃO, SEGUNDA-FEIRA

 
O escritor e editor Rogério Pereira estará em Salvador, segunda-feira, 11 de novembro, autografando seu livro Na escuridão, amanhã. Será na Fundação Casa de Jorge Amado, Pelourinho, às 17, horas.