"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

domingo, 30 de março de 2014

LUCIANO AMARAL EM DOSE DUPLA!


Estamos realmente na alta temporada de lançamentos de livros! E, no próximo sábado, o prof. Luciano Amaral Oliveira chega logo com dois: Métodos de ensino de inglês e Estudos do discurso. Ambos pela Parábola, uma das melhores editoras de títulos acadêmicos da atualidade e cujo lema é: "a editora de quem ama as letras". Luciano Amaral é autor de Manual de sobrevivência universitária, Manual de semântica e Coisas que todo professor de português precisa saber.

sexta-feira, 28 de março de 2014

SÁBADO É DIA DE POESIA!

Congratulações a Lidiane Nunes, Érica Azevedo, Mariana Paiva, Ana Grimaldi, Ricardo Thadeu, Emílio Tapioca e Felipe Grimaldi!

Igualmente, a Dhan Ribeiro, editor da Kalango, pela iniciativa de criar uma coleção de livros de poesia, numa época em que este gênero sofre para ser publicado e, quando o é, nem sempre as edições estão à altura de sua hierarquia.

E, de fato, ler poesia faz bem à alma!

segunda-feira, 24 de março de 2014

A PHILIPS E OUTROS EMBUSTES

Novíssima, mas já em descontinuidade e obsolescência.
Qualquer um dos aparelhos em funcionamento em sua casa atualmente "pode estar entrando" em "descontinuidade", por influência da "obsolescência planejada" (ação deliberada para induzir à compra de novos modelos) ou "programada" (que estabelece prazos de validade fictícios e não declarados), e aí não há conserto, pois, segundo a Philips, a legislação brasileira só obriga que as empresas fabriquem peças de reposição por cinco anos. Após este período, nenhuma assistência técnica de nenhuma marca aceita receber seu aparelho para consertar, pois eles não consertam, apenas trocam peças, e, se não há peças, não há conserto. Maravilhoso governo brasileiro, este, fabricante de lixo eletroeletrônico! Incentivador da ciranda insana da novidade tecnológica! E depois ficam por aí fazendo campanha ecológica. Hipócritas! O próprio governo fabrica lixo quando cria (ou aprova) legislações como essa, mas ganha a simpatia das empresas, que, em troca, "os" elegem. São eles que estão matando o planeta. Se você pretende comprar um aparelho, e escolheu a Philips, a Sony ou a Aiwa (pelo que reza a legislação, não há muita diferença), pense bem: elas "podem estar descontinuadas", "obsoletas", pois são iguais a qualquer outra, mesmo a mais peba, de fundo de quintal. Aliás, talvez esta até seja melhor que aquelas. Em certo sentido.

domingo, 23 de março de 2014

TÍTULOS DO AUTOR

INDIVIDUAIS
O enigma dos livros (P55, 2015), contos
Coleção Pato, cachorro, garoto e minhoca, 4 vols. (Kalango, 2015), infantojuvenis
O gol esquecido (A Girafa, 2014), contos
As aventuras de Nicolau & Ricardo: detetives (Penalux, 2014), minicontos
Os encantos do sol (Escrituras, 2013), romance
Cidade singular (Kalango, 2013), contos
Três infâncias (Casarão do Verbo, 2011), novelas
Brancos reflexos ao longe (Livro.Com, 2011), contos
Nem mesmo os passarinhos tristes (Multifoco, 2010), minicontos
Dizer adeus (Edições K, 2005), contos policiais
Recordações de andar exausto (Aboio Livre, 2005), poemas
O inédito de Kafka (CosacNaify, 2003), contos
Dia sim e sempre (PapelVirtual, 2000), poemas
Pés quentes nas noites frias (EGBA-Funceb, 1999), contos
O ritual no jardim (Presença, 1993), novela (reeditada em Três infâncias)
ANTOLOGIAS E COLETÂNEAS
Autores baianos: um panorama (P55, 2013), poesia e ficção
82, uma Copa, quinze histórias (Casarão do Verbo, 2013), contos
Todos os portais: realidades expandidas (Terracota, 2012), contos
As baianas (Casarão do Verbo, 2012), contos
Tardes com anões (Vento Leste, 2011), minicontos
Antologia do conto baiano: século XX (Editus, 2004), contos
Concerto lírico a quinze vozes (Aboio Livre, 2004), poesia
Pequena antologia antecipada (1989), poesia

sábado, 22 de março de 2014

QUANTOS LIVROS O SR. JÁ PUBLICOU?

Livros: remédio contra o embotamento.
É incrível o interesse que as pessoas demonstram, "atualmente", por números e listas. É quase uma regra que, quando procurado por um jornalista para conceder uma entrevista, por telefone ou e-mail, mais cedo ou mais tarde o sujeito coloque esta pergunta: "Quantos livros o senhor já publicou?" Da primeira vez, nem consegui responder, pois, com toda sinceridade, jamais havia feito esta conta. Da segunda vez, parei um instante, fiz uma soma por alto e respondi: "Quase dez".
 
Mas isso não é tudo; já aconteceu de um escritor me colocar a mesma questão e, quando a respondi, de novo por alto, ele rebateu: "Eu já tenho dezoito livros". Muito bem, parabéns, espero que tenha pelo menos um leitor para cada um deles, como propõe Ricardo Piglia no seu O laboratório do escritor. E transcrevo aqui o alerta de Mário Quintana, quando lhe perguntaram quem era o melhor poeta do Brasil, naquele momento: "Poeta não é cavalo de corrida, para chegar em primeiro lugar". Nem se mede o valor de um autor pela quantidade de livros que ele publicou ou escreveu. Temos alguns exemplos inquestionáveis: Rodrigo M. F. de Andrade, no Brasil; Juan Rulfo, no México; Raymond Radiguet, na França. Nenhum dos três escreveu mais que três livros.
 
Esta semana, e por duas vezes, tive que responder à mesma pergunta. Uma diretamente, e outra por uma via mais específica: "Mande-me a lista de seus últimos livros publicados". E o mais intrigante é que, em todos os livros que publicamos, está lá, na orelha, às vezes numa das primeiras ou últimas folhas, a biobibliografia do autor. Mas, ao que parece, "atualmente", só se leem os conteúdos, as histórias propriamente ditas e que justificam o livro; tudo o mais é texto sem importância: epígrafes, dedicatórias, notas, advertências, prefácios, posfácios, sumários, folha de rosto, colofão. E, assim, passa-se em branco pelo que, se não é imprescindível, será necessário saber, mais cedo ou mais tarde. Ah, jornalistas!
 
Na próxima postagem, vai a lista de tudo o que já publiquei, em livro, até a presente data. Espero, com isso, daqui por diante, responder o seguinte a quem me solicitar a quantidade ou relação dos livros que publiquei: "Entre no meu blogue e digite, na caixa de busca ("pesquisar"), títulos do autor. Prometo manter a lista atualizada ou, se for o caso, seriá-la. Belo verbo, este, não: seriar?!

quarta-feira, 19 de março de 2014

LEITURAS, 46: O RETRATO

Houve um tempo em que a história de qualquer país era contada ou revista pela sucessão de reis, imperadores e monarcas, mortos ou destronados depois de um acúmulo de intrigas e traições. A história cotidiana, à margem do poder, era desprezada pelos historiadores. Foi assim, sem exceção, em muitas partes do mundo. Já no século XX, a história pessoal de um soldado da Primeira Guerra tem tanta importância quanto a própria guerra, por constituir uma metonímia desta, uma parte genuína e representativa através da qual pode se avaliar e compreender o todo do episódio bélico.
 
Não sei se foi esta a intenção de Lima Trindade, com o seu O retrato (P55, 2014), pois nunca sabemos ao certo qual é o propósito de um autor ao começar a escrever uma história, nem se o resultado obtido retrata, fielmente, aquele esboço através do qual a sua consciência, no início, o conduziu. O que temos em mãos é o produto de sua criação e é, a partir dele, feita a leitura, que devemos especular. E, na página 38, está dito, pela pena do narrador, um simples servo do rei em sua propriedade de campo: “Ele fez da camaradagem o mais importante capítulo da minha vida”. E também da existência de Portugal, naquele instante.
 
Posto isto, posso afirmar, com alguma convicção, que o foco narrativo de O retrato sofre, qualquer que seja o ângulo de observação, um duplo e constante desvio. Se a intenção era revisitar os eventos políticos que culminaram com o assassinato de Dom Carlos I, o autor promove um deslocamento e os refere utilizando-se do drama pessoal do rei, afeiçoado de camaradagem por seu servo António Dias de Oliveira, factótum de sua propriedade de campo, e em companhia de quem saía periodicamente para caçar. Se, no entanto, pensou o autor em trazer à tona os mistérios sexuais do rei, não deixou de pontuá-los com referências iluminadoras do decurso político e sugerir, indiretamente, a responsabilidade daquele por tudo o que estava acontecendo, uma vez que Dom Carlos I resvala, com naturalidade, para o idílio e subestima o contexto político, mais premente e de consequências mais graves. E esta benevolência é, talvez, o motivo de sua desgraça.
 
Portanto, qual é o assunto central de O retrato? O amor único e grandioso que qualquer época não compreende e despreza. E que, ironicamente, só chegou até nós pelo depoimento pessoal do narrador, um simples servo do rei e homem vagamente instruído pelos livros. Mas alguém pode me inquerir, exigindo que eu aponte o trecho da narrativa em que isto está dito, sem meias-tintas. Ora, no não-dito, naquilo que, de fato, faz da literatura o que ela é, metáfora do mundo, o “outro texto”, que não é o histórico, nem o jornalístico, muito menos o científico; que não é senão o que se pode aferir e afirmar ou reafirmar a cada leitura. O atributo que a inscreve sempre nova na eternidade.
Com ecos de André Gide e Oscar Wilde, menos de Henry James, como o autor quis sugerir com o subtítulo “Um pouco de Henry James não faz mal a ninguém”, que só vejo se justificar pelo enquadramento da narrativa, com o longo prólogo e o rápido epílogo, O retrato é também um elogio ao que a canadense Annie Proulx denominou, indiretamente e sem panfleto, o amor universal. Quem a leu sabe do que estou falando e há de me conceder alguma razão.

domingo, 16 de março de 2014

LEITURAS, 45: NOTURNO INDIANO

Edição de 2012, da Cosac Naify.
Um dos melhores relatos modernos de busca a uma pessoa desaparecida, e sem que o tom seja de investigação policial, é a novela Notturno indiano (1984), do italiano Antonio Tabucchi, e cuja tradução foi publicada no Brasil em 1991, pela Rocco, com o mesmo título. Durante a trama uma diferença se cristaliza, em ausência, por interpretação: há os desaparecimentos espontâneos, e os oriundos de ações criminosas, como sequestro ou assassinato. Os primeiros são de natureza existencial e envolve uma tomada de consciência que conduz a uma decisão radical de mudar de vida, talvez até de personalidade. Os segundos, por sua vez, têm motivação monetária ou passional, e levam ao crime, consequentemente a uma investigação, que os esclareça.

Na novela de Tabucchi, aos poucos compreendemos tal diferença e começamos, como leitores atentos, a nos perguntar aonde a trama vai nos conduzir. O narrador, anônimo, está em busca de Xavier, um antigo companheiro que se perdeu na Índia. Para aquele país ele se desloca e, num hotel barato, referência de uma viagem anterior, começa a sua aventura, que, a rigor, não tem fim, porque, por mais que ele siga algumas pistas e se aproxime de chegar a encontrar Xavier, este se esquiva, lhe escapa.  

Uma praia, outro hotel, uma estação de trem, um novo hotel, uma sociedade de teosofia, um ônibus no meio do nada, um arcebispado, mais um hotel, outra praia, mais dois hotéis e, afinal, uma mulher. São estes os lugares percorridos pelo narrador e nos quais Xavier é só referido, como uma pálida e inexpressiva figura. É então que intuímos ser ambos a mesma pessoa, e que a viagem não é senão uma jornada existencial, rumo ao eu do narrador, ao seu "mesmo" e seu "outro". Uma das grandes pistas para o deciframento deste pequeno relato, que é uma metáfora em si, talvez uma alegoria de nossa busca insensata pelo sentido da vida, está neste breve diálogo do narrador com a mulher, no último capítulo: 

ELE: "Pensei que uma pessoa como você achasse que na vida é preciso ver o mais possível".
ELA: "Não, é preciso ver o menos possível".

Dos lábios da mulher, ser oposto e complementar ao do narrador, vem a sabedoria, bem como a consciência, o sentido de que o "mais" é inútil, e o ideal é o que se é. Não é por humildade, nem por indulgência, que o  narrador, depois de dito isso, vai confessar que a sua busca não é senão o percurso de um livro, este que lemos. Simplesmente ele foi aparado de suas arestas. Mas fica o seu relato. E também a resposta a uma pergunta que não foi feita: do que se faz um livro? De nada e de tudo. Todo assunto é válido, se é literatura, e, mesmo que não haja assunto, um livro é possível.

Mas esta é a minha leitura, ou melhor, releitura. Faça a sua ou, se preferir, não leia o livro. Talvez seja preciso ler o menos possível.

sábado, 15 de março de 2014

ELES REALMENTE ESTÃO DE VOLTA!

Agora é pra valer! Podem agendar. As aventuras de Nicolau & Ricardo: detetives (Penalux, 2014). Na RV Cultura e Arte, R. Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho, a partir das 18:30. Quem sabe se os detetives também não aparecem!
 
Apenas 51 exemplares numerados. Aliás, 49, pois o número 1 e o 23 já foram reservados por dois bibliófilos. Claro que há mais exemplares, mas não numerados. E quem gosta de livro sabe que há alguma diferença...
 
Clique sobre o convite para ampliá-lo.

quinta-feira, 13 de março de 2014

O VISITANTE


Em terra, onde qualquer avião é o mais seguro.
Na pequena biblioteca, em 3014, não havia um livro. Só compartimentos, onde cada usuário entrava e, depois de tocar na tela o ano do seu interesse, recebia diretamente no pensamento, como num sonho, textos, imagens, sons, cheiros, sabores. E aquele visitante possuía apenas um interesse, rever o que se disse e o que se fez por ocasião dos dois mais importantes acontecimentos de 2014: 1) Rússia invade Crimeia; 2) Boing 777-200 da Malaysia Airlines desaparece sem deixar vestígios. No primeiro fato, nenhuma providência política de relevo fora tomada, pois era um país enorme e poderoso invandindo uma ex-colônia; e, no segundo, ninguém se perguntou se aquele avião não era o primeiro de muitos... Só um maluco postou na internet, no blog Não leia!, que, depois de um acidente aéreo, vinham outros, igualmente fatais. Mas ele nada mais sabia do ocorrido, apenas alertava a amigos e parentes que não viajassem por aqueles dias, fundamentado em livros que não gozavam de nenhum prestígio, como O triângulo das Bermudas e O lado escuro dos céus. O visitante ri do que lê... E segue rindo até em casa daquela postagem estranha, que mencionava um visitante que, em 3014, estudava os anos "14" de todos os séculos e volta para casa rindo do que leu num blog, em 2014, acerca daquele ano mil anos à frente.

quarta-feira, 12 de março de 2014

"O RETRATO" DE LIMA TRINDADE

Lima Trindade é autor de três livros: Supermercado da solidão (2005), Todo o sol mais o Espírito Santo (2005) e Corações blues e serpentinas (2007). Também integrou os coletivos Tempo bom (2010), As baianas (2012) e 82, uma Copa, quinze histórias (2013). É editor da Verbo 21. O retrato é mais um título da coleção Cartas Bahianas, da P55, que já publicou mais de 30 livros, de Renata Belmonte a Ruy Espinheira Filho.

sexta-feira, 7 de março de 2014

LEITURAS, 44: A SEREIA

Edição britânica de O leopardo.
Sofisticação. Refinamento. Beleza. Exatidão. São as palavras que definem a novela A sereia (Lighea, 1961), do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Em releitura recente, a quarta em vinte anos, foi a conclusão a que cheguei. A melhor edição em língua portuguesa é, sem nenhuma hesitação, a da Hiena Editora, de 1993, pela Coleção Cão Vagabundo, volume 32, com tradução de José Colaço Barreiros, que assina também o prefácio, no qual transcreve a curiosa teoria de Tomasi di Lampedusa, de que há dois tipos de prosa: a "magra", quase sempre seca e precisa, à qual filiam-se autores de sua predileção, como Goethe e Stendhal; e a "gorda", para a qual ele prefere não fornecer exemplos. A primeira se caracteriza por exigir uma colaboração efetiva do leitor, que ilumina seus não-ditos, suas sugestões discretas, quando não ocultas, suas alusões. A segunda promove uma recepção inversa, à qual nada falta e, por isso, pouco exige do leitor, subtraindo-lhe "a responsabilidade de deduzir e desenvolver-se a si próprio a partir das palavras" lidas, "porque já está tudo deduzido e desenvolvido nessas palavras". Nem precisamos dizer qual é a escolha do nosso autor. Basta que se leia A sereia. Dois livros apenas fizeram a fortuna de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), recatado, avesso aos circos literários e que por toda a vida evoluiu a par do que lia e escrevia: o admirável  romance O leopardo (Il gattopardo, 1958) e Os contos (I racconti, 1961), que inclui a novela Lighea, frequentemente reeditada em separata, por causa de sua extensão e por se destacar, em excelência literária, frente aos demais relatos: Recordações da infância, A alegria e a lei, e Os gatinhos cegos. O primeiro teve muitas edições no Brasil, inclusive atuais; o segundo, não muitas. Duas das mais recentes se deram na íntegra: O senador e a sereia (L&PM, 1980) e a mais fiel Os contos, pela editora paulista Berlendis & Vertecchia, em 2001. A terceira, com o título Histórias sicilianas, suprimiu o relato Recordações da infância e veio a público também pela L&PM, em 1996, no econômico formato de bolso da editora. As três estão esgotadas.

domingo, 2 de março de 2014

LEITURAS, 43: A ILHA NO ESPAÇO

Edição de 2003, em formato 14x21cm.
Esta novelinha de Osman Lins é uma das mais interessantes incursões de um autor brasileiro no gênero do suspense. A trama, desde o princípio, se apresenta como um enigma, que, pelos aspectos e motivos explorados, conduz a uma experiência fantástica ou de entrecho policial. Num condomínio residencial, ocasionalmente aparecem moradores mortos em circunstâncias estranhas. A polícia não consegue desvendar as mortes, e pouco a pouco os moradores debandam do prédio, no qual resta, ao fim, um único morador, Cláudio Arantes Marinho, abandonado pela esposa e pela filha, à espera da morte. Até que, um dia, ocorre-lhe uma grande ideia: desaparecer sem deixar vestígios, livrando-se, a um só tempo, daquela situação absurda e da própria família, que impiedosamente o descartou. Mal sabia ele que, ao ter êxito, desvendaria as insólitas mortes e, de quebra, puniria o responsável.
 
O protagonista, prisioneiro da ambição de ascensão social da esposa e das filhas, fora residir no edifício Capibaribe a contragosto. Está atolado em dívidas e infeliz. As filhas não o toleram, e a esposa mal o suporta. Neste contexto, o que vai lhe ocorrer é, antes de qualquer coisa, um bálsamo. Sozinho no prédio, ele se transforma e passa a enxergar a vida e o mundo de um outro ponto de vista, da Ilha no Espaço, seu apartamento, que será, por dias e dias, o único aceso nas noites do alto prédio Capibaribe, como uma nave solitária na imensidão escura. E é dali, em meio à luz, que, movido pela lembrança de um sorriso de mulher, uma bela desconhecida com quem cruzou na rua, ele agarrará a sua oportunidade e dará novo rumo a sua vida.
 
Vê-se que, como qualquer obra literária, esta não se fecha em seu gênero. O título remete à literatura fantástica e, talvez, a um dos seus subgêneros, a ficção científica, sugerindo um mundo específico e singular, representado por uma ilha de luz no espaço. O entrecho flerta com as histórias policiais, de enigma (as mortes que ocorrem fazem jus a tal sugestão), e o contexto elege um dos temas centrais da alta literatura: a condição humana, aqui abordada pelo ângulo da desilusão familiar, a decepção com os entes queridos.
 
No entanto, de mistura em seu caldo vai algo novo, que é o modo como tudo isso vai contribuir para construir, no horizonte do protagonista, um ponto de alcance que, ao fim, permitirá que, literalmente, conduza-se ele a seu destino, por ele próprio estabelecido, como queriam os filósofos existencialistas. Se em O estrangeiro, por influência do sol, Mersault dispara sobre o árabe e muda, assim, a sua vida, aqui é a luz única do Capibaribe (também nome de rio, ou seja, fluxo) que permite que o personagem dê um salto de uma janela para outra e se torne outra pessoa. Em ambos os casos o efeito da luz é decisivo: ou para turvar as ideias ou para clareá-las.
 
A ilha o espaço foi primeiramente publicada em capítulos na imprensa e virou Caso Especial na tevê anos depois. A primeira edição em livro conhecida é esta, da editora Moderna, de 1997, em formato de bolso (11x15cm) e, ao que parece, não teve muita repercussão. Ficou lá, na década, como simples curiosidade. É mais do que oportuno resgatá-la (há uma edição de 2003, lamentavelmente "direcionada" ao público juvenil), muito embora os donos da verdade continuem a insistir, com ar de indignação e tom de veemência, que a literatura brasileira precisa deixar de ser transgressora e se adaptar...
 
Osman Lins, que faleceu muito cedo, aos 54 anos, foi um renovador das estruturas narrativas. Em tudo que escreveu colocou algo de inovador e esteticamente divergente. O conto e o romance foram seus gêneros de ação mais intensa, mas também se destacou em obras para o teatro (Lisbela e o prisioneiro, 1964) e no ensaio, com dois livros iluminadores: Do ideal e da glória (1977) e Evangelho na taba (1979). Os gestos (1957) e Nove novena (1966), seus dois volumes de contos, são exemplares e ainda promovem prazer e orientam leitores e novos escritores pelo que há de melhor no gênero: uma boa história contada de modo fluente e refinado ou uma história banal narrada de uma forma que a transforme em algo inédito, único. Destacou-se no romance, gênero ao qual se dedicou com maestria, legando à literatura de língua portuguesa duas obras-primas, pelo menos: O fiel e a pedra (1961) e Avalovara (1973). Sua obra foi traduzida para os mais importantes idiomas ocidentais.