"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 28 de abril de 2015

LIVROS COM 50% DE DESCONTO

A LDM Livraria Multicampi aderiu à promoção que celebra a união dos catálogos das editoras Objetiva e Companhia das Letras. São vários títulos escolhidos de grandes autores, vendidos com 50% de desconto. A promoção vai até 8 de maio de 2015. Aproveitem! A principal loja da LDM fica no Espaço Itaú de Cinema, no antigo Cine Glauber Rocha: Praça Castro Alves, s|n, Centro, Salvador, BA, (71) 3013-4759.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

LEITURAS, 51: OS ESPIÕES

Edição de bolso, da Objetiva, 2011.
Luís Fernando Veríssimo não é nem de longe um dos autores de minha predileção. Na verdade, só tinha boas lembranças de dois de seus livros: o volume que reúne todas as aventuras do Analista de Bagé e o que concentra as pretensas narrativas policiais do improvável detetive Ed Mort. Em ambos, o forte é o humor, sabemos; e sabemos também que no Brasil a literatura satírica tem existência árdua e é logo esquecida, salvo Machado de Assis.
 
Recentemente, porém, tive em mãos a novelinha Os espiões, cuja leitura me entusiasmou. É evidente ainda, a cada página, o humor inerente a quase todas as obras do autor, mas não é só isso. Numa paródia muito bem pensada dos romances de espionagem, à moda de Fleming, Greene e Le Carré, Veríssimo cria uma trama quixotesca que mistura mercado editorial, o editor mal intencionado, a condição sempre precária do escritor brasileiro, uma despretensiosa reflexão sobre o papel da literatura na vida tanto dos autores quanto dos leitores e, de quebra, retoca, com tintas nostálgicas, o retrato das pequenas cidades brasileiras nascidas em volta de uma feira, uma praça ou uma grande empresa, que se estabelece e se torna o motor da economia do lugar.
 
A trama tem início quando um editor assistente recebe um manuscrito incompleto, com o primeiro capítulo da história de Ariadne, personagem e autora, que pretende, ao terminar a obra, se matar. Mais interessado na autora que propriamente na obra, embora reconheça suas supostas qualidades literárias, o sujeito tudo faz para resgatá-la das garras do marido, o principal suspeito de sua angústia que culminará com o suicídio. E, assim, arquiteta o envio de espiões à cidade de Ariadne. Incógnitos e disfarçados, eles farão de tudo para se aproximar da vítima.
 
Em meio aos percalços que seus espiões enfrentam, o narrador expõe sua verve satírica e faz críticas mordazes a editores, autores e leitores, não poupando ninguém de seu ceticismo em relação ao futuro da literatura e do livro. Numa de suas reflexões mais felizes e ácidas, ele decreta: "O professor Fortuna diz que em vez de endeusar escritores deveríamos louvar os milhões que resistem e não escrevem, e cuja grande contribuição à literatura universal são as folhas que deixam em branco".
 
De alcance imprevisto e conteúdo inesperado, esta novelinha de Veríssimo é a prova verificável de que a liberdade de criação é, ainda, a melhor conselheira do autor, pretenda ele conceber uma obra-prima ou tão somente um elegante exercício de ironia. Acho que em certo sentido Os espiões foi bem-sucedido nos dois propósitos.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

ESTAMOS DESTRUINDO O MUNDO

Edição brasileira, Artenova, 1975.
Num dos volumes de contos de Ray Bradbury, Remédio para a melancolia [A medicine for melancholy, 1948], há um relato de antecipação que é um retrato de nossa época, muito embora muitos possam argumentar que é só literatura, que não expressa a realidade. Não diria que não, mas, como metáfora, é a própria realidade em que vivemos. Se não, vejamos.
 
Em O sorriso, um breve conto de cinco páginas, pessoas se aglomeram numa fila imensa e, enquanto esperam, conversam. Na fila, está um menino, Tom, que, ao que tudo indica, e essa é a desconfiança das pessoas em volta, é um apreciador de arte. É o ano de 2061 e, em meio a um caos apocalíptico, causado obviamente por bombas, a maior diversão são os "festivais", nos quais o passado, em especial o artístico, é destruído e incinerado. Sob o efeito de muita bebida e riso contagiante, queimam-se livros e se destroem todo e qualquer objeto artístico e cultural. De valor, claro! "Ninguém quer a civilização", diz um dos personagens. "Você fica odiando tudo o que liquidou com você. Assim é a natureza humana."
 
Descobrimos em seguida que quem está na fila poderá cuspir na Monalisa, de Da Vinci! E logo chega um emissário do Governo, que comunica à turba que as autoridades decretaram que o quadro ali presente seja entregue ao povo, para ser destruído. É o que basta. Se até aquele momento as pessoas hesitavam, sobretudo porque Tom, sendo um dos primeiros da fila, ao contemplar a Monalisa, achara-a linda, agora não há mais remédio. O povaréu avança, e logo ouve-se o som de um rasgão: "A multidão estava alucinada, e as mãos pareciam pássaros esfaimados beliscando o quadro". Tom, a duras penas, consegue um pedaço da tela, e pouco depois sabemos o motivo: em casa, depois de levar uma bronca dos pais e dois pontapés do irmão, ele adormece, com o pedaço da Monalisa na mão a repousar sobre o peito: e naquele pedacinho do que fora por séculos o creme do creme das obras de arte, estava o sorriso, o sorriso lindo, discreto e infalível. 
 
Estamos destruindo o mundo, embora pareça que não. Ouça Elis Regina ou Connie Francis e depois Ivete Sangalo ou Ana Carolina e diga que não. Dê um passeio pelas exposições de arte que a Secretaria de Cultura da Bahia promove e diga que não. Abra um desses inúmeros livros premiados, de autores brasileiros ou estrangeiros, tente lê-los e diga que não. Examine com atenção as propostas de incentivo à produção artística e cultural do Governo da maluca da "presidenta" e diga que não. E não é assim só no Brasil. Aqui só é mais grave e infame, porque nossa "pátria educadora" não educa. Embroma. (Aliás, é da natureza dos Governos embromar. Não sei por que me surpreendo.) E há países em que a destruição tem sido literal, a machado e marreta, sem apelação.
 
No encontro que tivemos, eu e Mirdad, com Hélio Pólvora, em janeiro, ele nos disse que tinha deixado de aceitar ser jurado de concursos literários, desde que, certa vez, conversando com um dos membros do júri de um concurso renomado sobre e dificuldade que era ler até quinhentos livros num prazo tão curto e escolher "o melhor", o sujeito se voltou sério para ele e disse: "Eu não perco tempo, Hélio! Jogo para cima uns dez, e o que cair na minha mão eu leio!" Excelente conselho! Opa, por um instante pensei ter ouvido a voz de um porta-voz do Governo...

terça-feira, 7 de abril de 2015

LA ROCHELLE E O BRASIL

Um dos raros livros de La Rochelle no Brasil.
No último dia 15 de março, completaram-se 70 anos desde que Pierre Drieu La Rochelle se suicidou. Não suportou a carga do mundo e, fiel a si mesmo, preferiu se matar. Partiu sozinho, com sua dor, seu desencanto e suas convicções.
 
O Brasil é, sem dúvida, um lugar porco. Para qualquer lado que se olhe há um inimigo, alguém que deseja ou algo que nos pertence ou algum prestígio mínimo que tenhamos alcançado. E a todo momento somos julgados pelo que não somos, ou por não concordarmos, ou porque não nos curvamos. Possuir ideias próprias no Brasil, atualmente, é quase uma heresia ou uma ofensa. Devemos abdicar de pensar, devemos abjurar nossa opinião.
 
Eu tinha a esperança de que um dia o voto seria facultativo. Mas, de uns tempos para cá, tenho pensado que virá o dia em que os partidos nos empurrarão como gado para as urnas, como têm empurrado os bobocas para as ruas, nas contrapasseatas. Estamos a caminho de nos tornarmos uma Venezuela, onde a oposição é pró-forma, uma simples formalidade. E é inacreditável que tanto aconteça, e o Governo brasileiro continue com sua lenga-lenga, suas histórias da carochinha.
 
Hoje, o novo Ministro da Educação, que, sabemos de antemão não fará nada e, se fizer, será dispensado, apareceu na tevê diante de uma parede que trazia o seguinte slogan: "Brasil, pátria educadora". Fiquei perplexo, porque, se somos alguma coisa, não é isso que somos. Não damos a mínima para a educação. As prefeituras em geral a desprezam, os estados igualmente, o país ainda mais. As escolas, a rigor, também são uma simples formalidade. Estão onde estão porque é preciso estar, mas dia virá em que nos convencerão de que não servem para nada e então também vão suprimi-las, com nosso consentimento. Bem como as bibliotecas públicas, o livro e demais acessórios.
 
O ministro da educação, só uma engrenagem da farsa.
O Governador do Estado da Bahia, o famigerado Sr. Rui Costa, se orgulha de dizer na tevê que colocou 66 milhões de reais no Carnaval de Salvador, enquanto isso a Sra. Dilma suprime 15 milhões da verba da USP... E este é só um exemplo, ínfimo. Se formos arrolar de norte a sul, de leste a oeste o que acontece, ficaríamos enfarados ao descobrirmos que esta é a regra geral. E que o mesmo se dá na saúde pública. E em vários outros setores. Roubaram durante anos a Petrobras, e agora, que a empresa está agonizando, pedem dinheiro emprestado à China. Ora, pedissem também dinheiro para a educação, para a saúde... Muito embora não saibamos o que a China vai levar mais tarde. Ninguém empresta dinheiro por nada em troca. E ainda mais um país. Alguma coisa eles vão levar daqui. Bom seria se levassem três terços dos nossos políticos.
 
Mas o leitor deve estar se perguntando o que tem a ver a desastrosa realidade brasileira com os 70 anos da morte de La Rochelle. Nada e tudo. Compara-se um abacaxi tanto com uma laranja quanto com um parafuso. Tudo no mundo se relaciona por semelhanças e diferenças. E é isso que a Educação nos faz ver. E é isso que esse governozinho que arrumaram para o Brasil não nos permite enxergar. Ele é diferente e é igual. Faz o novo e o mesmo. Parece erguer, mas faz desabar. Parece construir, mas corrói. Diferenças e semelhanças que, na balança histórica do Brasil canalha, acabam se equivalendo.
 
O fato de La Rochelle ser hoje um autor praticamente esquecido, cujas obras são difíceis de encontrar tanto em novas edições quanto nas antigas, confinadas aos sebos, está diretamente associado ao destino que ele se impôs. É o mesmo que o Brasil está fazendo. Mas La Rochelle era um, e ainda mais um artista, um escritor. Sabia ele que só ele seria punido. O Brasil é um país. Muitos serão punidos, inevitavelmente, pela realidade que estamos vivendo. E é sempre tarde "voltar atrás" de um suicídio. 

quinta-feira, 2 de abril de 2015

ENCONTRO COM PÓLVORA

Encontro literário na ALB.
Em 4 de setembro de 2009, tive a honra de participar de um evento na Academia de Letras da Bahia, ao lado de Hélio Pólvora. Era a primeira edição de um projeto denominado Encontros Literários, que reuniria, de setembro de 2009 a dezembro de 2011, vários escritores, sempre em duplas, com um representante já consagrado e outro emergente, mas houve, naturalmente, algumas exceções a esta regra. A inauguração foi exatamente comigo e Pólvora, com leitura pública de dois contos de cada um, por parte de Luís Antônio Cajazeira Ramos, o mediador da mesa, e debate teórico-crítico a cargo de Antônia Herrera, professora-doutora do Instituto de Letras da UFBA, e Gerana Damulakis. Os contos de Hélio Pólvora escolhidos para a leitura foram A bênção, padrinho e Chuva, ambos de O rei dos surubins (Rio de Janeiro: Imago, 2000), e os meus, Esqueleto e Chuva, ambos do Dizer adeus (São Paulo: K, 2005). Coincidentemente, Hélio e eu escolhemos um conto com o mesmo título... Um caderno impresso com os quatro textos foi distribuído na ocasião aos presentes, e hoje, ao mexer na estante em busca de um livro de W. Somerset Maugham, que também escreveu um conto intitulado Chuva, eu o encontrei. Já não me lembrava de onde o tinha guardado e, das vezes que o procurei, não houve jeito de achá-lo. Era porque tinha de ser hoje, e agora! As palavras são mágicas, e mais ainda as poéticas, literárias. Octavio Paz estava mais do que certo. Quem convive com a literatura não se espanta com o Acaso.