"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 31 de julho de 2015

A LUA AZUL E OS POETAS

Foto: Andréia Gallo.
A Lua Azul sobre Salvador. Hoje, por volta das 18:41. É simplesmente a segunda Lua Cheia do mês. Grandes poetas, no mundo inteiro e ao longo dos séculos exaltaram a Lua, por sua beleza e influência sobre o ânimo das pessoas, até que os homens chegaram lá e a macularam. Entre os poetas, estão os que se seguem.

RECORDAÇÃO NA CALMA DA NOITE

Diante da minha cama, estende-se o luar.
Parece geada no chão.
Levanto a cabeça: avisto a montanha e a lua.
Torno a deitar-me. E penso na minha terra natal.

LI PO (701-762), poeta chinês, traduzido aqui por Cecília Meireles, em Poemas chineses (Nova Fronteira, 1996).


JOGO NOTURNO

Ilumina-se o campo
para o futebol na aldeia.
Aparece a bola branca,
feita de algodão e meia.
Meninos poetas jogam
com a bola da lua cheia.

MAURO MOTA (1911-1984), poeta e prosador brasileiro, nascido no Recife, PE. Extraído de Itinerário (José Olympio, 1983).


A LUA, UM PÁSSARO

Quis tê-la nas mãos,
o ceguinho a quem disseram
que a luz era linda.

OLDEGAR VIEIRA, poeta brasileiro, nascido na Bahia, célebre por seus haicais. Folhas de chá (1940) é um dos seus melhores livros.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

INÍCIOS EXEMPLARES, 11: Fuentes

"Você lê esse anúncio: uma oferta assim não é feita todos os dias. Lê e relê o anúncio. Parece dirigido diretamente a você, a ninguém mais. Distraído, deixa cair a cinza do cigarro dentro da xícara de chá que estava bebendo neste café sujo e barato. Torna a ler. Solicita-se historiador jovem. Organizado. Escrupuloso. Conhecedor da língua francesa. Conhecimento perfeito, coloquial. Capaz de desempenhar funções de secretário. Juventude, conhecimento do francês, preferentemente que tenha vivido na França por algum tempo. Três mil pesos mensais, comida e aposento cômodo, batido pelo sol, estúdio bem instalado. Só falta seu nome. Falta apenas que as letras do anúncio informem: Felipe Montero. Solicita-se Felipe Montero, antigo bolsista na Sorbonne, historiador cheio de dados inúteis, acostumado a exumar papéis amarelados pelo tempo, professor auxiliar em escolas particulares, novecentos pesos mensais. Mas, se você lesse isso, ficaria desconfiado, tomaria tal coisa como brincadeira. Donceles 815. Apresentar-se pessoalmente. Não há telefone."

FUENTES, Carlos. Aura. Porto Alegre: L&PM, 1981. Tradução de Olga Savary. 66p.

ESTILO. Um anúncio, nos classificados. Preciso, perfeito, misterioso, sobrenatural, quase o duplo de quem o lê. De modo que não há como recusá-lo. Capturado o protagonista, capturado o leitor, que só fecha a novela quando a última linha se esvai, e maravilhado, ciente de que leu um dos mais singulares e impressionantes textos literários do século XX; tão original e único, que se torna inimitável.

terça-feira, 28 de julho de 2015

OBSCENAS & O ENIGMA DOS LIVROS

Lançamento: 29 de julho, de 19 a 22 horas, na Confraria do França, Rua Lydio de Mesquita, 43, Rio Vermelho, Salvador, BA.

Segundo livro de minicontos de Carlos Barbosa (1958), Obscenas vem se somar à biografia do autor, que inclui os romances A dama do velho Chico (2002) e Beira de rio, correnteza (2010), além de A segunda sombra (2010), de minicontos. Integrou ainda coletivos importantes, como a coletânea As baianas (2012) e a Antologia do conto brasiliense (2004). Em 2011, ganhou o prêmio Hera, de melhor livro de autor baiano em 2010.

O enigma dos livros é o sétimo livro de contos de Mayrant Gallo (1962), com destaque para O inédito de Kafka (2003), Cidade singular (2013) e O gol esquecido (2014). Publicou ainda o romance Os encantos do sol (2013) e o conjunto de novelas intitulado Três infâncias (2011), que inclui Moinhos, obra vencedora do prêmio Literatura Para Todos, do MEC, em 2009.

As duas obras integram a coleção Cartas Bahianas, da P55, que já publicou 44 títulos, de mais de 35 autores. O coordenador da coleção é o escritor e editor Claudius Portugal.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

INÍCIOS EXEMPLARES, 10: Greene

Capa: Eugênio Hirsch.
"Uma história não tem princípio nem fim: alguém escolhe um determinado momento vivido e dele parte numa recapitulação ou narrativa. Digo 'alguém escolhe', com o impreciso orgulho de um autor profissional que, mesmo sem ter sido especialmente notado, recebeu elogios pela sua habilidade técnica. Mas serei eu realmente quem escolheu aquela escura, úmida noite de janeiro, em 1946, com a visão de Henry Miles atravessando obliquamente uma espessa cortina de chuva, ou serei eu o escolhido por estas imagens? De acordo com o meu código de ofício, é conveniente e certo começar aí, mas, se naquela ocasião eu acreditasse em algum Deus, acreditaria também em sua mão invisível, conduzindo-me e sugerindo: 'Fale com ele; ele ainda não o viu'."

GREENE, Graham. O crepúsculo de um romance. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. Tradução de Branca Maria de Queiroz Costa. 222p.

ESTILO. Quem escreve a história? O narrador, talvez? Ou será que é a própria história que se inscreve através do narrador, rebaixado este a simples veículo através do qual a trama se constrói? E o cenário, o personagem, quem os coloca ali? Num parágrafo misterioso e refinado, o autor dá início a uma de suas melhores histórias, um romance genuíno, que mistura os gêneros narrativos, diversifica o registro de linguagem e impõe ao leitor reflexões profundas, sem jamais entediá-lo.

domingo, 26 de julho de 2015

INÍCIOS EXEMPLARES, 9: Camus

Edição de 2013, em capa dura.
"Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi o telegrama do asilo: 'Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames'. Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.

O asilo de velhos fica em Marengo, a oitenta quilômetros de Argel. Vou tomar o ônibus às duas horas e chego ainda à tarde. Assim posso velar o corpo e estar de volta amanhã à noite. Pedi dois dias de licença a meu patrão e, com uma desculpa desta, ele não podia recusar. Mas não estava com um ar muito satisfeito. Cheguei mesmo a dizer-lhe: 'A culpa não é minha'. Não respondeu. Pensei, então, que não devia ter-lhe dito isto. A verdade é que eu nada tinha por que me desculpar. Cabia a ele dar-me pêsames. Com certeza irá fazê-lo depois de amanhã, quando me vir de luto. Por ora é um pouco como se mamãe não tivesse morrido. Depois do enterro, pelo contrário, será um caso encerrado e tudo passará a revestir-se de um ar mais oficial."

CAMUS, Albert. O estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 1999. Trad. de Valery Rumjanek. 126p.

ESTILO. As frases curtas, límpidas e analíticas, a serviço da experiência do sujeito num mundo que não o compreende, disfarçam uma sensibilidade poética que ao longo de todo o romance posicionará o protagonista de um lado e a sociedade que o inclui do outro. Esta exige dele comportamento padronizado e cumprimento de regras e costumes, enquanto ele, por sua vez, pretende viver o momento, num estado de hedonismo, que constitui, talvez, a essência da própria condição humana. 

sábado, 25 de julho de 2015

O ENIGMA DOS LIVROS, a origem

Na primeira versão deste livro, que seguiu para a P55 no segundo semestre de 2014, eu agradecia a algumas pessoas por contribuir direta ou indiretamente com a sua feitura. Mas, devido à limitação de número de páginas, os agradecimentos, bem como três textos, tiveram que ser suprimidos, reduzindo-se o conjunto a sete contos. Agradeço, portanto, a Andréia Gallo, minha esposa, a Linda Bezerra, que me convidou a escrever no Correio da Bahia, diário no qual todos estes relatos foram publicados em primeira demão, Hilcélia Falcão, que foi por muito tempo minha editora no jornal, Claudius Portugal, que há anos me convidava a publicar pelas Cartas Bahianas, e Lima Trindade e Marcus Borgón, que por fim me incentivaram com seu entusiasmo a organizar o volume e enviá-lo à editora. Sem estas pessoas, O enigma dos livros não existiria. Ou seria simplesmente um enigma.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

ISADORA, sua camisola La Perla e a BR

Se escrever o primeiro romance não é fácil, imagine conseguir isso e ainda publicá-lo quase imediatamente. Foi o aconteceu com Catarina Guedes, jovem e entusiasmada autora, que autografará seu livro amanhã, dia 24 de julho, na Livraria Cultura do Shopping Salvador, às 19 horas.

A edição é da Kalango, que segue publicando a ficção produzida na Bahia, nos gêneros conto e romance. Seu catálogo já reúne Cidade singular, Labirinto-homem, O herói está de folga e Todas as águas, respectivamente de Mayrant Gallo, Carlos Vilarinho, Dênisson Padilha Filho e Gláucia Lemos.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

INÍCIOS EXEMPLARES, 8: Voltaire

"Eu estava farto da vida ociosa e turbulenta de Paris, da multidão presunçosa, dos maus livros publicados com aprovação e privilégio do rei, das cabalas dos homens de letras, das baixezas e da vilania dos miseráveis que desonravam a literatura. Encontrei, em 1733, uma jovem senhora que pensava de modo semelhante ao meu, e que tomou a decisão de ir passar vários anos no campo, para lá cultivar seu espírito longe do tumulto mundano; era a sra. marquesa du Châtelet, a mulher que na França mais tinha disposição para todas as ciências."

VOLTAIRE. Memórias. São Paulo: Iluminuras, 1995. Tradução de Marcelo Coelho. 100p.

ESTILO. A aferição do mundo da cultura e das artes, por Voltaire, ganha valor universal. Substitua-se Paris por Salvador, São Paulo, Madri ou Los Ângeles, que a situação é a mesma, ainda hoje. E isso é só o início de sua ácida pintura das classes artísticas e monárquicas da Europa da época, repleta de artistas embusteiros e imperadores tirânicos. Voltaire é, igualmente, um dos primeiros a sinalizar para a libertação da mulher, do jugo masculino, através do conhecimento e da educação.

terça-feira, 21 de julho de 2015

SALVADOR, HOJE

Foto: Andréia Gallo.
Visão do lusco-fusco de Salvador, por janela de apartamento nos Barris, hoje, às 17:50. Salvador é bonita? É sim, do chão para cima, e sem a presença dos seus governantes, impostores e hipócritas, que estragam a cidade ano a ano, muito embora digam o contrário, que a estão revitalizando.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

CARTAS BAHIANAS: LANÇAMENTO

Obscenas, de Carlos Barbosa, e O enigma dos livros, Mayrant Gallo. Lançamento: 29 de julho, quarta-feira, de 19 a 22 horas, na Confraria do França, Rua Lydio de Mesquita, 43, Rio Vermelho, Salvador, BA. Uma realização da P55.

Em Obscenas, Carlos Barbosa transforma a realidade imediata em literatura e inquietação. Através de minicontos poéticos, cria um mosaico dos horrores deste Brasil bizarro e sem comandante. Ao tempo que o cidadão pena em filas e paga impostos que irão direto para o bolso dos políticos, estes tiram ouro do nariz e tripudiam de sua benevolência.

"Melhores ingredientes são tédio e memória. Lance mão de uma, basta uma, humilhaçãozinha mantida em fel atrás da orelha e, caso não seja suficiente, recolha lágrimas derramadas em noites gélidas."

Os sete contos de O enigma dos livros oferecem ao leitor a oportunidade de diversificar seu repertório de leitura com histórias surpreendentes, arrancadas da realidade, mas transfiguradas pela substância dos sonhos.

"Pensou que, por mais que sejamos ruins, há quem nos aprecie. Por mais que sejamos loucos, irreverentes, incompreensíveis, tolos... Haverá sempre quem chore ao fim, quem diga alguma palavra sincera e quem silencie, diante de nossa imobilidade, o peito em destroços."

domingo, 19 de julho de 2015

AGRADECIMENTO

Foto: cortesia de Emmanuel Mirdad.
Agradeço a todos que compareceram hoje ao lançamento da Coleção Pato, Cachorro, Garoto e Minhoca. Especialmente as crianças. E aos seguintes amigos: Carlos Barbosa e Mônica Menezes, Araci Tanan, Marco Tinoco, Marcus Borgón e Adriana, Emmanuel Mirdad, Márcia Tranzillo e Olavo, Deni e Feco, Lília Gramacho, Liz Saback, Gláucia Lemos, Luciano e Luciana, Rute Vieira, Carlos Souza, Tácio, Catarina Guedes, Paula, meus sobrinhos Ilana, Patrícia, Julinha e Anderson. Minha gratidão também a Anne Brito, pelo apoio e profissionalismo, e a Anna Grimaldi, que animou a todos contando histórias e promovendo brincadeiras. Por fim, agradeço a Dhan Ribeiro, da Kalango, que proporcionou a existência da coleção.

É HOJE!


quinta-feira, 16 de julho de 2015

NA IMPRENSA

Página 25, Correio, 16-07-2015.
O Correio divulgou a Coleção Pato, Cachorro, Garoto e Minhoca na edição de hoje, e ainda teve a gentileza de colocar uma foto do autor de 12 anos atrás. Lançamento em 19 de julho, domingo, 16 horas, na Livraria Cultura do Salvador Shopping. Programa muito melhor do que o pobre futebol da tevê. Sem dúvida. Cada livro custa R$22,90, mas os quatro da coleção saem por apenas R$45,80.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Pato, cachorro, garoto e minhoca, 4

Quarto e último volume da coleção.
Lançamento: 19 de julho, 16 horas, na Livraria Cultura do Salvador Shopping.
O poderoso leão, rei da floresta, reconhece na frágil minhoca uma singularidade à qual não deve sufocar, por mais que ela o incomode.

domingo, 12 de julho de 2015

CRÔNICA, 1: Os Humbertos

Revista Muito (A Tarde), 12 de julho de 2015.
A reprodução da página é uma cortesia de Dalva Santos, que a divulgou no Twitter, e a quem agradeço a generosidade.

Pato, cachorro, garoto e minhoca, 3

Terceiro volume da coleção.
Lançamento: 19 de julho, 16 horas, na Livraria Cultura do Salvador Shopping.
Um menino à espera de que tudo fosse diferente, para ele, sua família e o mundo.

sábado, 11 de julho de 2015

Pato, cachorro, garoto e minhoca, 2

Segundo volume da coleção.
Lançamento: 19 de julho, 16 horas, na Livraria Cultura do Salvador Shopping.
A história de um cachorro enjeitado que, por efeito de um incidente, dá a volta por cima e retorna ao seio da família.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Pato, cachorro, garoto e minhoca, 1

Primeiro volume da coleção.
Lançamento: 19 de julho, 16 horas, na Livraria Cultura do Salvador Shopping.
A jornada de um patinho amarelo por um mundo desconhecido, que ele vê pela primeira vez e, no entanto, parece reconhecer.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O HUMOR DA MUITO, 3: Cau Gomez

Unidos para sempre, pois não há como separar. O jeito então é dançar e rabiscar corações, ao compasso de um forró de São João. Arte de Cau Gomez, na Muito número 10, de 8 de junho de 2008.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A PREVISÃO DO SETE

Brasil 1 x 7 Alemanha.
A EUROPA CURVOU-SE ANTE O BRASIL

7 a 2
3 a 1
A injustiça de Cette
4 a 0
2 a 1
2 a 0
3 a 1
E meia dúzia na cabeça dos portugueses

OSWALD DE ANDRADE. Pau-Brasil (1925). Poesias completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. 144p.

Bons tempos! E a (in)justiça de Cette é bem outra coisa, sobretudo quando se sabe que este era o nome antigo da cidade francesa então denominada Sète.

Este poema é quase um presságio, com décadas de antecipação. Ou, talvez, uma ironia visionária com a nossa tendência à soberba. Ou, simplesmente, uma bela coincidência.

Alguns dirão: incompetência mesmo, decadência. Que seja!

O HUMOR DA MUITO, 2: Simanca

Zombaria com a arte de Salvador Dali e com a vida, que uma só não é mais irônica com a outra que o tempo, que desdenha de ambas. Arte de Simanca, na Muito número 13, de 29 de junho de 2008.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

O HUMOR DA MUITO, 1: Aziz

A revista Muito, encartada no jornal A Tarde aos domingos, completou no último mês de abril sete anos de existência. É, ao que se sabe, a única revista de circulação ininterrupta da Bahia na atualidade. Dentre as muitas atrações da revista, que apropriadamente se diversifica em matérias sobre o cotidiano, artes, perfis de pessoas famosas, saúde, comportamento, locais pitorescos de Salvador etc., estão as charges e os cartuns. Fiz uma seleção dos meus preferidos, que sairão periodicamente aqui, seguidos de um breve comentário.

Acima, a inclusão de Salvador em âmbito internacional, via um ícone do cinema, o filme King-Kong, que veio a público pela primeira vez em 1933 e teve duas refilmagens. Arte de Aziz, na Muito número 7, de 18 de maio de 2008.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

OFICINA DE CONTOS

Ministrarei oficina de Leitura e Criação de Contos. Nos dias 17, 18, 24 e 25 de julho, das 9 às 13 horas. Informações e inscrições na Caixa Cultural Salvador: Rua Carlos Gomes, 57, Centro, Salvador, BA. (71) 3421-4200.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

VÁ E VEJA, 24: Um homem, uma mulher


Foi um dos mais cultuados filmes dos anos 1960 e 1970. Um dos grandes ícones do cinema francês e mundial. Um clássico absoluto, premiadíssimo e imitado à exaustão, um filme que antes de qualquer coisa transforma seu assunto em arte, em modo de se exprimir, método de contar, com novidades atraentes, a mais elementar e antiga história do mundo: o amor de um homem e uma mulher.

Visto hoje, em que ao que parece todas as histórias já foram contadas, em especial as lírico-amorosas, percebe-se o quanto este filme se detém na forma, relegando seu assunto a um simples pretexto para o exercício de recursos cinematográficos singelos e inovadores que mais tarde se tornariam clichês. E, no entanto, diferentemente da maioria dos cineastas que pretendem antes se exprimir do que narrar, como Lelouch soa fluente, puro, direto, franco e sedutor! 

A  história é mais do que banal: um homem viúvo sempre que pode vai visitar, aos domingos, o filhinho no colégio interno. Uma tarde, de volta, dá carona a uma mulher, jovem e também viúva, cuja filha é colega do menino. É inevitável que, durante a viagem, eles conversem e se deixem atrair. A relação, contudo, se pautará pelas lembranças do casamento de cada um, os cônjuges mortos, a vida que mantinham, o que cada um fazia e como se relacionavam os dois casais. O peso da relação anterior aterra-os, sobretudo à mulher, ainda marcada pela presença, veneração e carícias do marido.


Não é uma história de amor simplesmente. Dor, ausência, lembranças, perdas, silêncios, constrangimentos e até culpa se interpõem entre os dois e dão o tom de beleza e poesia que fazem deste filme um caso único na história do cinema, para o bem e para o mal. Explique-se: foi um dos raros filmes românticos a ganhar dois prêmios capitais, Cannes e Oscar de Filme Estrangeiro, e numa época exigente, em que só arrebatavam estes prêmios filmes de mérito comprovado. Influenciou a publicidade em larga escala, tanto no cinema quanto na tevê, e mesmo a impressa; as propagandas manjadas de cartões de crédito, com casais e seus felizes filhos, praticamente o reproduzem, ano após ano, com variações.

Também foi imitado, plagiado e sofreu, ao longo das décadas, uma crescente conspiração silenciosa com o intuito de depreciá-lo e, por fim, apagá-lo. De certo modo, a postura de Claude Lelouch, sincero ao extremo e cheio de autossuficiência, talvez tenha contribuído para esse destino injusto. Ao receber o Oscar, ele disse, secamente, que sua ida para Hollywood estava fora de cogitação, pois o que ele queria mesmo era fazer cinema de arte. E fez, a despeito de seus detratores.


Críticos vulgares, forjados em redações de jornais e revistas, ou os petulantes, que se esforçam em transformar Tarantinos e Meirelles em gênios do cinema, costumam rejeitar Um homem, uma mulher e ao próprio Lelouch. Um exemplo vulgar: 1001 filmes para ver antes de morrer (Sextante, 2008). O Sr. Steven Jay Schneider (editor geral, responsável, portanto, pela organização do volume) e seus colaboradores de araque desprezam-nos ao máximo: não citam nem o filme nem o diretor. É como se ambos não existissem para aquele universo de 1001 obras cinematográficas supostamente irretocáveis. Ora, "metade" dos filmes que eles arrolam neste livro não vale uma cena de Um homem, uma mulher. E olha que há muitas, para dividir a plateia numa querela de escolhas e preferências. Assistam e confirmem, ou não assistam, o que é muito mais fácil.