"Eu respirava naquelas salas, como um incenso, esse cheiro de velha biblioteca que vale todos os perfumes do mundo." Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 21 de abril de 2017

FALTA D'ÁGUA? UÉ!

Água, elemento constante na pintura de Eric Zener.
Quem é o responsável pelo racionamento e pela falta d'água em vários bairros de Salvador e região metropolitana?
O prefeitinho Neto, que só pensa em festa e em encher os cofres da prefeitura para promover mais festas?
O governador Costa (não é incomum que pensemos noutra coisa...), cujo partido usa o dinheiro público para financiar campanhas de reeleição e... Bem, já sabemos. Não é necessário repetir.
O certo é que pagamos impostos altíssimos, um IPTU ofensivo, e ficamos sem água...
O certo é que mais festa não melhora a vida da população...
Água é primordial, bem como educação, saúde, arte, leitura, segurança, higiene.
E em tudo isso Salvador e o resto da Bahia seguem bem pobres. 
A educação é o que a gente conhece: o povo pegando calculadora para somar 9+13, 7+5...
Atendimento precário em muitos hospitais, inclusive particulares, sem falar das inúmeras doenças epidêmicas que o Estado não consegue erradicar. Por que será?
Ruas, se não bairros inteiros, entregues aos ladrões e traficantes.
A arte restrita a sua modalidade popular mais rasteira, mais chão que o chão, e que nada transforma e a ninguém sensibiliza.
A Bienal de Livros da Bahia extinta, com, provavelmente, o dinheiro canalizado para os bolsos ou os quadris.
Ruas sujas, imundas mesmo, especialmente no Centro de Salvador, com a multiplicação diária de camelôs e vendedores de frutas na área que compreende o triângulo da Praça da Piedade, Relógio de São Pedro e Av. Joana Angélica.
Mas, pensando bem, sabe que é bem-feito?!
Afinal de contas, só há três coisas importantes na Bahia, e a mídia, pobre mídia de iletrados a serviço da manipulação de ignaros, tão bem propaga, dia a dia, mês a mês, ano a ano:
CARNAVAL, BAHIA & VITÓRIA!
Garantindo essas três coisas imprescindíveis, o povo vai bem, manso e satisfeito. Cabisbaixo como um boi, mordendo com alegria o capim.
Lata d'água na cabeça, minha gente! Amanhã ou depois tem jogo do Bahia ou do Vitória; e o Carnaval está logo ali, o prefeitinho e o "boboca" do governador já o estão elaborando, bem como todas as festas prévias, falte água ou não.
Estou com raiva (como sempre, quando o assunto é o governo, o único inimigo do indivíduo), mais minha alma ri baixinho, tamanha a ironia.

quinta-feira, 9 de março de 2017

SÁBADO, ARRESTO & SARAMBOKE


Bernardo Almeida e Elizeu Moreira Paranaguá lançam seus novos livros: Arresto e Saramboke. Sábado próximo, na lendária Cantina da Lua, a partir das 15:30. As obras saem pela editora Penalux, sediada em Guaratinguetá, SP.  A falta de editor de literatura na Bahia leva a isso.

Tudo bem, por aqui há coisas bem mais importantes que Literatura: Carnaval, Bahia, Vitória, o manequim de Ivete Sangalo, quanto calça Daniela Mercury, qual foi a melhor música-sem-letra-só-refrão do último calvário de dez dias promovido pelo Governo do Estado e pela Prefeitura de Salvador...

"Para que ler? Serve para quê, mesmo? Livro, o que é livro? É a Bíblia? Um monte de papel pintado com tinta..."

Bem, nunca é tarde para se começar a ler, bom livro é o que não falta. Sábado, teremos Arresto e Saramboke.

terça-feira, 7 de março de 2017

VÁ E VEJA, 26: Marius & Fanny

"Fanny", de Marc Allegret, 1932.
No caso de alguém supor que é um único filme, esclareço que são dois; na verdade, três: César completa a chamada Trilogia de Marselha, baseada em peças do importante escritor francês Marcel Pagnol (1895-1974), que assina os roteiros. Os dois primeiros, já lançados no Brasil pela Colecione Clássicos, foram dirigidos, respectivamente, por Alex Korda e Marc Allegret. Inclusive, os fãs já têm a conclusão da trilogia, com o lançamento de César, também à venda no site.

Datados do início do cinema sonoro, 1931 e 1932, estes dois filmes surpreendem pela qualidade praticamente em todos os aspectos. Roteiro e direção excelentes, personagens vivos e humanos, magnificamente interpretados pelos atores, cenário preciso, fotografia limpa, alcance atemporal de motivos, com assuntos ainda atuais e debatidos de forma clara e proveitosa.

Cada filme recai sobre um dos personagens principais da trilogia. Marius é filho de César, dono de um bar, e tem uma leve atração por Fanny, filha da dona da peixaria do cais. Em Marius, o personagem se divide entre o amor por Fanny e a atração insuportável por viajar, a bordo de algum navio. Quando surge a oportunidade, ele tem que escolher entre Fanny e o mar. Em Fanny, a garota segue seu martírio, amando Marius e tendo que se desvencilhar ou aceitar outras propostas de casamento. César, centrado no pai de Marius, espécie de conciliador sentimental e cabeça pensante do cais, completa a trilogia e, provavelmente, ajusta as peças da trama ao fluxo da vida.

Cheios de humor e vida, Marius e Fanny são dois filmes imperdíveis para todos os cinéfilos que não se limitam a ingerir os enlatados hollywoodianos, em nada diferentes dos livros de estação, que, tão logo lidos (ou vistos), são esquecidos. Clássicos irretocáveis do cinema francês, Marius e Fanny reverberam e ecoam por dias em nossa percepção. São o que se espera de qualquer arte: que nos alimente e transforme, que nos encante e revigore, que destrua ou refine as nossas convicções.

quinta-feira, 2 de março de 2017

50 ANOS!

Andréia Gallo (1967-2015), com Julinha.
Hoje, dois de março, se viva, Andréia Gallo completaria 50 anos! Talvez a pessoa mais inteligente que conheci, ela era, no entanto, e sem nenhum paradoxo, generosa e muito discreta. Uma alma boa, delicada, que por 24 anos ininterruptos dividiu-se comigo e, sem nem mesmo uma única palavra ríspida ao longo de todo esse período, me ensinou que a grandeza está em ser pouco ou mesmo nada, em ser contido e moderado, se não anônimo. Ela viveu assim, e assim partiu. Jovem, e creio que irrealizada, mas ainda assim completa. Sábia.

Ela amava as estrelas, os planetas, as galáxias. À noite, com frequência, buscava no céu estes seres perdidos para os quais nós, indivíduos comuns, viramos as costas com desdém. Não raro, ao acordar, me dizia que sonhara que estava voando. Ano passado, li num livro que sonhar que se está voando é mau presságio, sinal de morte, de um trágico fim para a pessoa que sonha ou para um ente querido, bem próximo. E não foram poucas as vezes em que Andréia me contou sonhos de profundos mergulhos no céu. Mergulhos que ela lamentava não ser de verdade, impulsionada que se sentia pelas asas vorazes de seus sonhos.

Onde estará ela agora? No céu? Talvez. Ou, melhor dizendo, seguramente no céu. Mas não neste céu banal e enganoso em que os religiosos depositam todas as suas fichas. No céu propriamente. Físico. O céu com o qual ela tanto sonhara. O céu de mistérios, luzes, cores, abismos e, por certo, seres melhores do que nós. Num de seus versos preferidos, de autoria de Murilo Mendes, o poeta diz: "Quase que só há estrelas". Mais nada, coisa alguma, pois tudo o mais é êfemero e pouco reverbera. Os astros e as estrelas não. Estão lá! Brilham, voam e a ninguém incomodam. Por isso mesmo se projetam para além de si mesmos e de todos nós.

Sim, quase que só há estrelas. E nada mais.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

LEITURAS, 52: MATADOURO N. 5

Artenova, 1972. 1a. edição brasileira. Rara.
A gente lê um livro, gosta ou gosta muito e depois o esquece. Décadas mais tarde, passeando pela estante, olhamos aquela leitura antiga e nos perguntamos se ainda vale a pena. Abrimos o volume, velho, empoeirado, surrado, talvez a primeira edição brasileira, o autor ainda colocava ao fim do nome a abreviatura de júnior, que foi abandonada com o passar dos anos, e lemos a primeira página, o primeiro capítulo, e logo estamos pelo meio, mais fascinados do que da primeira vez. Ou seja, o livro melhorou com o tempo, e nós aguçamos nosso olhar, alcançamos novos aspectos, atentamos para a ironia, a forma, os devaneios estruturais. Matadouro n. 5 (Artenova, 1972) é ainda, e sempre será, uma obra incomum e deliciosa. Literatura de verdade. E diversão, riso, prazer. Esqueçam estes livros de estação, "garota disso, garota daquilo", que muito prometem, mas pouco oferecem, e se deleitem. Vonnegut é cortante, com reflexões assim: "Como tantos americanos, estava procurando construir uma vida que tivesse sentido com objetos que encontrava em lojas de presentes". Ou então: "Estava tão confortável lá dentro que pôde fingir estar a salvo em casa, tendo sobrevivido à guerra, e que estava contando a seus pais e à sua irmã uma história verdadeira da guerra, ao passo que a história verdadeira de guerra ainda estava se desenrolando". O autor já morreu, não dá mais para conversar com ele, nem pegar autógrafo, a não ser sobrenaturalmente, mas há edições novas; portanto, ele está ali, bem vivinho, na prateleira da livraria mais próxima. Isso ainda não nos tiraram.